“Conhecer, então, é coisa apenas mental, intelectual,
ao passo que o saber reside também na carne,
no organismo em sua totalidade, numa união de corpo e mente.
Neste sentido, manifesta-se o parentesco consanguíneo do saber com o sabor:
saber implica em saborear elementos do mundo e incorporá-lo a nós
(ou seja, trazê-los ao corpo, para que dele passem a fazer parte)“.
Duarte Jr. em O sentido dos sentidos a educação do sensível
Saber, sabor? Mas…
Que relações podemos estabelecer entre o ato de comer e a educação na infância?
Parece uma reflexão um tanto inusitada, afinal… comer um ato tão banal e corriqueiro…
O que pode haver para além da satisfação de uma necessidade fisiológica?
O que pode haver de transformador em algo tão trivial na vida das crianças?
Um dos momentos que sempre me instigaram na minha experiência como educadora foram os momentos das refeições. Trabalhei como educadora de crianças bem pequenas durante sete anos em Centros de Educação Infantil, na cidade de São Paulo. Foram lá que minhas primeiras reflexões sobre a riqueza de possibilidades oferecidas por esse momento, começaram a surgir.
Considerado, na maior parte das vezes, como mais um dos momentos na rotina das crianças, o ato de comer, tem sido pouco ou nada valorizado como um ato potente de aprendizagens. Quando voltamos nossa atenção para esse tema, começamos a estabelecer diversas relações que a princípio não parecem ter conexões. No entanto, impactam direta e indiretamente a relação que estabelecemos conosco, com os outros e com o planeta de uma forma geral. Pestalozzi, um dos educadores clássicos que nos inspiram, considerava que a educação deve abranger todos os aspectos do indivíduo e envolvê-lo por inteiro. Pode-se dizer que a apreensão de cada momento do cotidiano de uma criança tem de ser uma vivência significativa, que traga um lastro de experiências, que vão formar de maneira integral o seu conhecimento da realidade.
“Mãe, segue o fio que a natureza te indica; não entregues
ao puro acaso, se e quando uma árvore se apresentar aos
olhos do teu filho, o que ele por si próprio observará nela;
“ensina-lhe a pronunciar que a pera é gostosa, suculenta,
farinhosa, doce, etc. no momento em que ele está
comendo; põe-lhe na alma o pensamento de que os frutos
das árvores reconfortam o homem no momento em que
ele realmente estiver sendo reconfortado por eles”
mostra-lhe a árvore…”
Quantos significados e sentidos construímos a partir dos sabores, aromas, formas tradições e rituais presentes nesse ato desde quando nascemos… Alimentar-se está muito além de nutrir-se para sobreviver, pois diz sobre nossa identidade, sobre nossas crenças, sobre nossa história, sobre nosso passado, presente e futuro. Diz sobre como nos cuidamos, sobre como nos relacionamos com nossos semelhantes, com as outras espécies e com a natureza como um todo.
Temos acompanhado com perplexidade e sentimento de impotência, a ameaça crescente do esgotamento de recursos naturais; a fome no mundo em contrapartida ao aumento de casos de obesidade infantil; o aumento de casos de mortes por doenças como câncer, doenças cardiovasculares, doenças mentais, porém, temos pouca consciência da cadeia de relações entre essas problemáticas e a maneira como nos relacionamos com os alimentos.
Precisamos ressignificar as experiências de aprendizado das crianças, levando em conta outras formas de viver e sentir a vida. Novas formas de se relacionar com o conhecimento que rompam com a lógica de tempos e espaços marcados pelo ritmo da produção, que paralisam os corpos das crianças em nome de uma educação que considera apenas a mente como meio de saber o mundo, que normatiza e homogeneíza os processos de convivência em busca de uma padronização que violenta a natureza das crianças, alienando-as de si mesmo, tornando-as peças da engrenagem prontas para satisfazer as expectativas do mercado ávido por aumentar seus lucros, custe o que custar.
Sem sentido, alienada de si, com sua cultura e identidade destruídas, eis o terreno fértil às investidas das grandes corporações.
Que possamos impregnar de sentido as vivências das crianças transformando o cotidiano em experiências significativas de educação afim de fortalecê-las contra as seduções dos colonizadores da atualidade.
Recentemente assisti aos documentários MUITO ALÉM DO PESO e FOODMATTERS que discutem e problematizam essas questões.
Revelam o quanto desconhecemos e somos ludibriados numa trama perversa que fragmenta a realidade e nos distancia da organicidade que equilibra e torna possível a vida na Terra. Fica a dica!
Kátia Del Giorno
Lindo criativo educativo inteligente! Parabéns
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Não tenho filhos mas a partir de 2007 com 9 nascimento do meu sobrinho, isso começou a fazer parte dos meus pensamentos : comida e o que ela representa.Os hábitos dos pais fazem o do filho? Quanto eu sou responsável pelo “não quero isso” ? Gostei muito do tema, da abordagem e quero saber mais.
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