“Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!”
Poema Da Felicidade, de Mário Quintana
Em um desses sábados, em meio à crise hídrica em São Paulo e entre tantos textos, pesquisas e opiniões, um post chamou a minha atenção: oficina de cisterna para captação da água da chuva. Faltavam duas horas para a atividade começar e, por sorte, aconteceria próximo de casa. Eu não conhecia as pessoas que facilitariam a oficina. Mas nem meu marido, nem eu tivemos dúvidas dos benefícios de aprender a construir uma cisterna, mesmo vivendo em um apartamento. Fomos! Mas por quê?
Essa foi a primeira pergunta feita por Leonardo Magnin – um engenheiro florestal criador de sua própria cisterna e integrante do Coletivo Piracema, de Piracicaba. Claro que todos ali compartilhavam do entendimento de que os recursos naturais devem ser utilizados de forma mais inteligente e menos agressiva para o nosso planeta. O envolvimento já existia, era comum a todos – em menor ou maior grau.
Mas, então, o que realmente moveu cada um de nós em particular? As respostas foram tão variadas quanto o número de pessoas presentes: encontrar soluções para a crise da água, me aproximar da origem daquilo que consumo, multiplicar o conhecimento nos meus lugares de atuação, unir a minha comunidade, ter uma vida mais sustentável e autônoma, me responsabilizar pelo bem da natureza, utilizar na minha horta a água captada da chuva, entre outras… Se o grupo fosse ainda maior, mais motivos encontraríamos.
Essa conversa inicial me fez pensar nas razões – tão singulares quanto diversas – que fazem com que diferentes pessoas se envolvam no mesmo projeto e abracem a mesma causa. O engajamento de um indivíduo em um ideal é construído a partir de sua história de vida, dos seus talentos, de suas crenças, de sua visão de mundo, de seus sonhos e, até mesmo, de seus traumas e dificuldades. Por isso é algo tão particular!
‘Porque sim’ não é resposta!
Por que, para que e como fazemos o que fazemos? Propor essas perguntas a nós mesmos é um convite para tomarmos a vida nas próprias mãos, a desativar o piloto automático a que somos empurrados pelos mais variados motivos – desde a falta de estímulo para a autoanálise, fugas pessoais a um estado consciente e empoderado, até a conivência desapercebida com grandes interesses econômicos.
Isso me fez lembrar de uma experiência – e abrir um parênteses para contá-la –que tive com uma das crianças do Projeto Dia de Pampédia (contaremos sobre esse trabalho em um outro post). Ao buscar formas para ajudá-la a ampliar sua percepção dos acontecimentos à sua volta, propus um brincadeira: sempre que contássemos algo um ao outro, responderíamos com uma pergunta. Por exemplo: “Como foi seu final de semana?”, “Bom!”, “Por quê?”, “Porque fui visitar os meus primos”, “E por que é bom estar com eles?”, “Porque damos muitas risadas juntos”, “Por quê?”, e daí em diante. Essa brincadeira durou meses, sempre retornando para os nossos encontros e despertando conversas, tanto sobre trivialidades quanto sobre temas mais profundos e filosóficos.
No entanto, a reflexão Por que, para que e como fazemos o que fazemos também pode ser um interessante começo para desvendar caminhos que nos levam para onde estamos. Esse questionamento constante nos revela como podemos afinar com mais cuidado a relação entre o que vai na mente, no coração e na ação. Olhar e identificar nossas coerências e incoerências ao longo da jornada nos ajuda a fazer ajustes e desvios necessários.
Se aprender a construir uma cisterna faz parte de um sonho último de construir um mundo melhor, que sentido dou a isso na minha vida? Qual o caminho que eu percorro até lá? “Qual é a parte que me cabe neste latifúndio?”, como diria João Cabral de Melo Neto. Ou qual é o papel e a contribuição que cabe a mim, só a mim, neste mundo?
Recentemente, viralizou na internet um vídeo em que o astrofísico Neil deGrasse Tyson foi questionado por uma criança: “Qual o sentido da vida?”. Após o frisson inicial causado pela pergunta feita por um pequeno de seis anos – o que para nós não é surpresa, já que acreditamos nas crianças como filósofas natas –, deGrasse respondeu que o sentido da vida não é algo que você espera parado para um dia encontrar, mas é o significado que dá a ela, todos os dias, a partir de suas descobertas e encantamentos.
A espera passiva para “descobrir” o sentido da vida gera angústia e isolamento. Somente a ação-reflexão pode nos proporcionar a real compreensão do nosso lugar e papel enquanto seres singulares, proporcionando uma relação de verdadeiros encontros com o mundo, com o outro e consigo. É dessa forma que pensa o psicanalista alemão Erich Fromm – e me perdoem por citá-lo novamente: o ser “se dá conta de si mesmo como um indivíduo ativo e criador e reconhece que só há um sentido para a vida: o próprio ato de viver”.
Por que estamos nós trabalhando pela Educação?
Este foi um questionamento a que nos propusemos, como equipe, lá nos primeiros desenhos do nascimento da Universidade Livre Pampédia. Por que, como e para que estamos engajados nesse projeto? Percebemos que estamos todos alinhados pelos ideias, pelos sonhos e pelas raízes deste trabalho; ao mesmo tempo, descobrimos e reafirmamos os tesouros que cada um em particular tem para oferecer a essa construção. Um pouquinho dessas descobertas, vocês podem ver aqui .
A costura dos fios que somos cada um de nós, dos motivos específicos e particulares por estarmos unidos por uma proposta é o que nos permitirá abrir as portas para a liberdade, a leveza, a profundidade e a autenticidade. A amplidão dos desdobramentos destes processos individuais é infinita, e acredito que é aqui onde acontece a Educação: na relação, no encontro e na troca das procuras e das descobertas de cada um; em caminhos que podem ser cheios de retas, curvas, atalhos, paradas, corridas, poças d’água, pontes, mas que se cruzam em vários pontos
É o que Gonzaguinha nos pergunta em sua deliciosa música, em que podemos cantar as mais variadas compreensões do que seja a vida. Todos percorreremos diferentes caminhos; ao final, porém, todos concordaremos que ela é bonita! É bonita e é bonita!
Venha cantar conosco e traga seu tesouro para essa construção!
Luísa Módena Dutra
Oi Luísa! Que texto especial! Refletiu você, suas crenças, seus olhares! Por que trouxe as suas reflexões de um jeito que gosto muito, cheio da sua inteireza, marcada na sua honestidade de falar o que sente e o que percebe. Adorei ler o seu texto e me senti como se estivesse aí no espaço Pampédia, numa das nossas reuniões do Geppe, ouvindo a sua opinião a respeito de um assunto.
Quando você traz as questões “Por que, para que e como fazemos o que fazemos?” é como se você me chamasse no texto pra pensar, pra rever as minhas ações, pra enxergar o que sou, ou que tenho sido e também pra não esquecer do quero ser, do que busco pra mim.
“Somente a ação-reflexão pode nos proporcionar a real compreensão do nosso lugar e papel enquanto seres singulares”. Essa frase é demais! Acredito muito na ação-reflexão! É assim que crescemos, aprendemos, ampliamos e aprofundamos o conhecimento de nós, dos outros e da vida!
Beijos
Tais
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gostei da parte do questionamente íntimo e gosto mto de uma frase de Confúcio, que diz: “onde quer que fores, leva todo teu coração”. é bem isso, saber equilibrar a mente, o coração e ação.
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Oi Luísa, não te conheço ainda, sou aluna da pós em Pedagogia Espírita- turma 9, e quando fui faze-la, atirei no que vi e acertei no não vi. E me apaixonei de vez pela educação. Concordo com o cometário anterior, quando você coloca “Por que, para que e como fazemos o que fazemos?”, nos chama a reflexão, obrigada. – Isabel
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