Desastres naturais podem deflagrar crises de grandes proporções de uma hora para outra; mas crises de ordem social e econômica, geralmente, são processos que se arrastam até a hora em que transborda o cálice e tudo se põe a perder.
A educação é um processo também longo, talvez infinito, em que o livre pensar, a capacidade de agir com autonomia, e permitir que o indivíduo se coloque no mundo de forma plena são alguns dos fins desse processo.
A partir desses dois parágrafos coloco em foco a Crise de 2008, que até hoje causa impactos em muitas economias. Quase dez anos depois, vemos os países mais afetados começarem a engatinhar rumo a uma melhor situação e quero apresentar um ponto de vista importante sobre a atuação de um educador.
O filme A Grande Aposta (The Big Short – 2015) mostra que sinais da crise foram sentidos em 2005, três anos antes da explosão da bolha imobiliária norte americana. Os sinais eram claros e naquela altura agentes do mercado financeiro começaram a aplicar bilhões de dólares, apostando na quebradeira do mercado.
Após assistir ao filme, fiz algumas pesquisas para verificar o quanto era ficção e o quanto era realidade o que estava sendo retratado. Aparentemente, o filme conta bem o processo da crise que envolve ganância, fraude e muita estupidez, ou melhor, ignorância de um público que não estava pleno em seu pensar e autonomia, ou seja, esse público foi enganado, manipulado e atendeu ao chamado insano de poucos, que se beneficiaram do começo ao fim dessa história.
De uma maneira simples e pegando o essencial do modelo, sem os refinamentos do mercado financeiro, a bolha imobiliária se desenvolveu por meio de concessão de crédito fácil e de um sistema em que as garantias dadas a esses empréstimos, no caso os próprios imóveis, eram avaliadas no valor do empréstimo mas que na verdade valiam menos; uma hipoteca era renegociada várias vezes e o valor do imóvel era superfaturado para cobrir o empréstimo anterior e gerar mais dívida em toda nova renegociação, até que chegou o momento em que a inadimplência não pode mais cobrir os buracos do sistema; o que fez a bolha estourar!
Esse tipo de situação, presente em nosso dia, é descrita por Zygmunt Bauman em seu livro Capitalismo Parasitário:
“A atual ‘contração de crédito’ não é resultado do insucesso dos bancos. Ao contrário, é o fruto, plenamente previsível, embora não previsto, de seu extraordinário sucesso. Sucesso ao transformar uma grande maioria de homens, mulheres, velhos e jovens numa raça de devedores. Alcançaram seu objetivo: uma raça de devedores eternos e a autoperpetuação do ‘estar endividado, à medida que fazer mais dívidas é visto como o único instrumento verdadeiro de salvação das dívidas já contraídas.”
A educação entra nesse momento. Quando se fala de atributos de livre pensar, de autonomia, e de confiança em ocupar seu lugar no mundo encontra-se a grande lacuna de nossa educação, que por hora, no geral, atende ao sistema que não quer que esses atributos sejam desenvolvidos.
Aqui a conversa passa a ser delicada, pois facilmente qualquer um (principalmente se estiver ligado a algum lobby corporativo) chamar-me-ia de socialista ingênuo sobre o que falarei: o capitalismo precisa de massa, precisa que essa massa não seja qualificada o suficiente para fazer perguntas incômodas, e se fizer perguntas incômodas possa essa massa ser facilmente ludibriada por algum tipo de falácia.
Assim, fico preocupado quando vejo slogans de escolas desse tipo: “preparando cidadãos para o mundo”, “seu filho em primeiro lugar”, ou, nas universidades, “preparamos você para o mercado de trabalho”. Falta transcendência nessas promessas!
A falta de transcendência pode nos levar à ganância – já que só olhamos o que está ao nosso alcance -, o que por si, em vários níveis da sociedade, retroalimenta o sistema perverso que temos. O interessante é que algumas vezes o sistema fica tão sórdido que ele arrebenta, o que nos daria a chance de pensar de forma diferente, mas pela lacuna de nossa educação retomamos o antigo sistema do zero. Nos Estados Unidos, menos de dez anos depois do estouro da bolha imobiliária, o mesmo produto financeiro que causou a catástrofe está sendo vendido com outro nome.
A figura do educador nesse contexto é importante, desde que ele próprio se autoeduque nos atributos de livre pensar, autonomia e ocupe seu lugar no mundo efetivamente. Se o processo de educação é longo, como falamos acima, não se espera encontrar educadores perfeitos, mas, pelo menos, imbuídos e conscientes que sua atuação vai além da aplicação de conteúdo programático; o sistema só mudará quando a soma de indivíduos plenamente conscientes se torne crítica e relevante.
Até lá teremos crises atrás de crises, sejam guerras, quebradeiras financeiras, destruição de recursos naturais, trabalho escravo, exploração sexual e tantas outras mazelas, que ocorrem corriqueiramente nesse planeta.
Alexandre Mota é mestre em hospitalidade, professor universitário e membro do Conselho Fiscal da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita
Busco meu autoconhecimento justamente para conseguir minha autoeducação e com essa visão que eu possa ser efetivamente útil para esse Planeta!
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