Parece que estamos rodeados pelo fim de tudo. É o fim da água, o fim da ética na política, o fim do trote como rito de passagem, o fim do machismo, o fim da privacidade, o fim da condenação eterna ao inferno, o fim da comida industrializada, o fim do combustível fóssil, o fim do clima previsível, o fim da cesariana, o fim do espaço para os automóveis nas grandes cidades, o fim das relações cordiais.
Não é que não exista mais água, mas a administração que fizemos desse bem tão fundamental foi negligente. Nem consideramos que era finita, ou que era custosa. Esbanjamos com nossa má administração, nossos carros lavados à mangueira aberta, nossa falta de planejamento e visão de futuro.
Não é que não exista nenhum herói em Brasília, mas o desenho de nosso sistema político corrompe até o mais ilibado dos cidadãos. Só que isso já não é mais invisível aos olhos do público, e por mais que ainda exista um desejo de estar lá e fazer o mesmo, o asco está ganhando a queda de braço.
A universidade já não é um sinal de pertencimento a uma casta superior, como já foi outrora. Ainda assim, o rito de passagem está lá, carregado de nossos piores impulsos de dominação característicos da condição de casta que ainda existe no imaginário. Cada vez mais o mundo do trabalho depende das experiências, iniciativas e valores dos indivíduos. Em breve diploma e títulos não serão mais motivos para comemorações. Mas liberdade de aprender e de ensinar coisas que realmente têm significado está agora se propondo em experiências como a nossa, da Universidade Livre Pampédia.
O homem com H maiúsculo, que se impõe pela força física (pode ser dinheiro também, que representa a nova força), perdeu seu rumo durante as vertiginosas transformações do século passado. A equidade é a nova pedra de toque das relações humanas, mas a inércia desses milênios de patriarcalismo é forte e ele ainda vai nos assombrar, mesmo depois de morto.
Até a cordialidade, que sempre foi nossa característica (sincera e hipócrita ao mesmo tempo), ancorada numa inocência de viver a vida como se não houvesse amanhã – e que agora está perdida em vociferações e rompimentos de amizade nas redes sociais e nas passeatas de esquerda e de direita – será restaurada por uma cordialidade consciente, que compreenda a complexidade e respeite profundamente o outro e a sua liberdade.
E assim vamos caminhando. É o fim da inocência, o fim da nossa infância, é o fim do tempo em que a relação entre causa e consequência ainda não era clara. Ainda consumimos a massa de carne processada que compramos como se fosse comida, mas não podemos escapar mais da consciência de sabê-la indigesta e cruel. Ainda usamos combustíveis fósseis, mas já buscamos alternativas para esse modelo, andando de bicicleta ou salvando a água da máquina de lavar antes que o planeta expulse a nós todos.
Temos ainda todas essas coisas, mas acabou o tempo em que poderíamos passar por cima delas sem nos deter, investigar e inquirir. Vivemos o tempo da descoberta, da educação no seu sentido mais profundo, do amadurecimento. Até a condenação eterna foi revogada, porque não precisamos mais ser ameaçados para agirmos. Nenhum remédio vai anestesiar o espírito humano.
Mauricio Zanolini
Ótimo texto, sem otimismo ingênuo nem pessimismo depressivo!
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