Uma recente pesquisa feita nos Estados Unidos pela Universidade Estadual da Pensilvânia mostrou que a preocupação que os homens dão à imagem de heterossexualidade que eles transmitem é tão forte que isso acaba se sobrepondo à maioria dos comportamentos sociais deles. Um exemplo disso é o uso de sacolas reutilizáveis (ecobags). Na perspectiva da maioria dos homens heterossexuais entrevistados na pesquisa, o uso desse tipo de sacola tem relação com uma postura feminina de cuidado que poderia confundir o comportamento deles com a atitude de homens mais femininos (leia-se homossexuais), e por isso eles não carregam tais sacolas. Quando descrevemos a explicação dada pelos homens entrevistados, ela nos parece bastante infantil, no entanto essa racionalização simplista é a regra no comportamento machista. Diante disso precisamos nos perguntar – por que a masculinidade é tão frágil?
Em grupos de homens radicalizados por um discurso de orgulho, perseguição e vitimismo (Incels), é muito comum ver comentários como – “A estratégia principal de destruição da civilização ocidental é o feminismo e a legislação que criminaliza a masculinidade e os relacionamentos.” Esse tipo de argumento também inunda a caixa de comentários de blogs, notícias e canais do youtube que se dispõe a falar sobre temas como estupro, consentimento, igualdade de gênero e empoderamento feminino.
As pressões que cercam a masculinidade (no ponto de vista dos homens) tem portanto duas frentes. Uma interna, que os obriga a estarem vigilantes o tempo todo para que seus comportamentos não sejam confundidos com as fragilidades femininas/homossexuais estereotipadas que poderiam colocar em dúvida sua sexualidade/masculinidade. Outra externa, que faz com que eles se sintam oprimidos pelas pressões das mudanças nos costumes, da multiplicação dos espaços de fala (como as redes sociais), e das legislações que responsabilizam os homens por suas ações (como a Lei Maria da Penha e o teste de paternidade por exame de DNA). A soma dessas pressões aumenta a carga de ódio e medo entre os homens e o resultado disso é mais violência, não só em relação aos outros, mas principalmente em relação a eles mesmos.
Mas algumas iniciativas crescentes têm olhado para esse assunto de outra forma. Homens que não se identificam com esse tipo de masculinidade foram atrás das causas da formação dessa masculinidade tão destrutiva. Uma das constatações mais importantes é o peso da relação entre os homens e seus pais/cuidadores. A figura paterna é a referência de masculinidade que imprime no indivíduo valores como ser bem sucedido financeiramente, não se comportar de modos que pareçam femininos, ser fisicamente forte, ser o responsável pelo sustento financeiro da família, não expressar emoções, ter um comportamento predatório em relação às mulheres. Outra característica importante é que a transmissão desse valores citados não se dá através de conversas, mas sim de opressões. Outro resultado disso é que a conversa não é um valor para essa masculinidade tóxica.
Essas e outras reflexões estão no documentário O silêncio dos homens, que é uma iniciativa do Papo de Homem, e que entrevistou mais de 40 mil pessoas pelo Brasil, além de mapear iniciativas de desconstrução da masculinidade tradicional em diferentes lugares do país. Se de um lado os valores da masculinidade tóxica pressionam os homens para terem um desempenho sexual, profissional e esportivo excepcional, de outro não trabalham a resiliência diante das derrotas e frustrações inevitáveis ao não atingirem as metas desejadas pelo imaginário masculino (de ser o “garanhão”, o “patrão, o “cara”, etc).
Mas um dos pontos principais do documentário são as rodas de conversa entre homens. Grupos que se reunem para falar das frustrações, das dores, dos traumas, e que oferecem a possibilidade de escuta e apoio significativo entre homens. De todos os aspectos da masculinidade tradicional, o mais prejudicial é exatamente aquele que mantém o circulo vicioso destrutivo – o sadismo. Diante de homens que tentam aparentar o valores “alpha” e falham, a reação do grupo é a chacota, a piada, o apelido. Ao ser oprimido e pressionado pelo pai, pelos amigos, pela sociedade, o homem criado dentro da cultura do machismo se transforma em uma bomba-relógio, que pode explodir a qualquer momento. Em geral, essa explosões atingem aquelas pessoas que são vistas por ele como frágeis, como submissas (ou que deveriam ser submissas no imaginário masculino). As mulheres são as vitimas diretas de uma cultura que não tem sentido, mas influencia totalmente o modo de vida da sociedade contemporânea.
A boa notícia é que principalmente graças ao movimento organizado das mulheres nos últimos 100 anos, que lutam por direitos iguais, alguns homens estão tomando a iniciativa de revolucionar a masculinidade. Sem dúvida é um caminho longo, mas que pode transformar muito mais do que a relação entre homens e mulheres, ou a relação entre pais e filhos. As guerras, a competição, a insensatez predatória, o desenho econômico e político, tudo pode ser completamente alterado diante dessa mudança profunda que a masculinidade responsável pode trazer. É assim importante!
Dora e Zanolini, oportuno o texto. Questão atual. Vemos feminicidios toda hora. Obrigado pela dica do documentário. Vamos assistir com alegria. “A força esta na delicadeza”. Aprendi isso no mundo das lutas. Não tem nada de contraditório, é fruto da experiência de vida. Viva pampedia. Obrigado. Porto Alegre/RS.
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