Somos todos membros de um culto suicida?

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Para o psicanalista humanista Erich Fromm, sadismo e masoquismo são impulsos inseparáveis. O sádico adota a postura de vítima para dominar o outro manipulando sentimentos de culpa. O masoquista assume o papel de rebelde para causar dor no outro e em seguida sofrer a punição que reforça sua posição submissa. Pode parecer estranho, mas causar dor em si mesmo e no outro são formas de sentir segurança. Para Fromm, essa fuga doentia e destrutiva tem uma só explicação – medo à liberdade.

Depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial (Fromm formulou suas ideias observando a mentalidade que gerou o nazismo na Alemanha), começamos (como humanidade) a construir coletivamente valores universais e uma identidade planetária (a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU em 1948). Hoje estamos diante de outras crises de dimensões globais – o aquecimento global e a automação dos postos de trabalho – que pedem ações que só serão efetivas se norteadas por valores humanos universais. Mas o sistema econômico que nos trouxe a esse ponto é individualista, competitivo e concentrador de poder. Não é de se estranhar que existe uma resistência muito grande a esse caminho universalista, e que a principal arma dessa resistência é a guerra de todos contra todos.

O biólogo e psicólogo Jean Piaget, em suas pesquisas com crianças sobre o processo de aprendizagem, concluiu que o ser humano tem impulsos iguais de cooperação (quando nos entendemos como iguais) e de competição (quando nos vemos como diferentes). Hoje sabemos que diversos fatores genéticos, ambientais e sociais se compõem para definir tendências e inclinações, mas que nossas escolhas podem alterar o contexto social, ambiental e (segundo a epigenética) nossos próprios genes. Somos portanto muito mais livres e em controle de nosso próprio destino do que imaginamos.

Mas se a liberdade de escolha é algo essencial em nossa caminhada genética, se a cooperação é um impulso comum a todos nós, se as lições da história nos apontam para a consolidação de valores universais para a construção de um mundo de paz, por que cedemos voluntariamente a ciclos viciosos de dor e sofrimento, de submissão e autoritarismo? Que medo é esse que nos impede de construirmos um futuro para nós mesmos?

O massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP) revelou que os assassinos frequentavam fóruns virtuais onde homens pregam ódio às mulheres e incentivam atos suicidas motivados pela vingança contra o inimigo (outros casos aqui no Brasil e em outros países tinham essa mesma conexão). No caso desse grupo de homens (INCELS na sigla em inglês que significa Celibatários Involuntários), seus inimigos são as mulheres (que os rejeitam), os homens fisicamente atraentes (que os desprezam e humilham). Eles se alinham com qualquer discurso de ódio que lhes dê um alvo – imigrantes, minorias raciais, LGBTs, minorias religiosas, etc (não por acaso esses grupos se identificam com agendas de liberação de armas, de “bandido bom é bandido morto” de “direitos humanos só para humanos direitos”, etc). Mas é importante entendermos qual é o tipo de argumento que atrai homens jovens para esses grupos.

Se, de um lado, estar num grupo dá a sensação de pertencimento que aplaca a angústia da solidão e da inadequação social; de outro, o principal argumento por trás da ideia dos Celibatários Involuntários é que todos eles são perdedores, fisicamente deformados, socialmente inábeis, sem futuro, sem a mínima chance de serem felizes (é isso que os une). Mesmo construindo um raciocínio que identifica como causa desse destino desumano um agente externo (os pais, as mulheres, a sociedade, os homens atraentes, os imigrantes, os comunistas, a religião, etc), o discurso é marcado por uma constante auto-rotulação negativa. O sadismo de diminuir o outro e o masoquismo de se submeter a essa diminuição é o moto entre os participantes do grupo que só pode ser definido como um  culto suicida.

Para Fromm, o indivíduo pode se relacionar com o mundo de forma neurótica (fugindo da sua condição de liberdade, abrindo mão da sua individualidade por medo da solidão), ou de forma saudável (através do amor e do trabalho, se relacionando com a natureza de forma criativa). A condição de liberdade do indivíduo é o que ele chama de “liberdade de”. Essa condição causa angústia (porque o indivíduo se percebe livre de seus próprios instintos, ou de seus pais, ou da sociedade, etc) e essa separação causa medo. Esse medo leva à busca por soluções como a dos INCELs.

A “liberdade para” é o que leva o indivíduo a fazer escolhas sem medo. É a “liberdade para” que nos faz encontrar sentido no que fazemos da nossa vida. Sem a “liberdade para”, nossos medos nos dominam, mas o detalhe é que essa liberdade é uma escolha. Se a “liberdade de” é algo que podemos apenas constatar (já que ela é dada pela nossa condição de humanos), a “liberdade para” é construída por nós mesmos. E já que nossas escolhas influenciam a sociedade, o ambiente e nossos genes e, ao mesmo tempo, nossos genes, o ambiente e a sociedade influenciam nossas escolhas, precisamos ponderar com cuidado que escolhas são essas. Que sociedade queremos? Que ambiente construímos?

Se os INCELs e o massacre em Suzano são a face mais chocante de uma construção em que todos nós participamos, como podemos desconstruir? Já está claro que essa desconstrução não será feita através de discursos de ódio, polarizações, busca por culpados externos, sistemas econômicos competitivos e individualistas, negação da crise climática, acumulação de riqueza (que só é possível se o princípio for a desigualdade), compartilhamento de notícias falsas, espetacularização e banalização da violência. Essa espiral de frustração ódio, sangue derramado, luto, impotência, injustiça, frustração ódio… nos coloca a todos como participantes desse culto suicida. É isso que queremos? Se não é, precisamos repensar nossas escolhas. Podemos por exemplo (cada um de nós) parar de fazer todas essas coisas que estão citadas acima. É urgente!

 

7 respostas para ‘Somos todos membros de um culto suicida?

    1. Sim, concordo plenamente a mudança começa em nós mesmo, a auto consciência o que sou e o que eu quero ser , para construir uma sociedade mais justa. “tudo para todos”( rsss). Deveria ser simples assim, mas não é Temos não mínimo dê ter essa conciencia, ja seria um início.

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  1. Sim, concordo plenamente a mudança começa em nós mesmo, a auto consciência o que sou e o que eu quero ser , para construir uma sociedade mais justa. “tudo para todos”( rsss). Deveria ser simples assim, mas não é Temos não mínimo dê ter essa conciencia, ja seria um início.

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  2. Precisamos urgentemente nos dedicar a compreender esse movimento extremista que mundialmente vem ganhando força (ou melhor dizendo: revelando-se), principalmente no transcorrer dessa década… Estamos prestes a, mais uma vez, repetir o passado, com grande parte da sociedade alheia e insensível a esse processo histórico, pelo qual passamos, por não perceber o quanto isto lhe afeta e lhe é de responsabilidade! O individualismo e o materialismo que se consolidaram no século XX escravizaram o homem no círculo de suas preocupações temerosas e egoísticas, colocando-o numa bolha de si mesmo que precisa ser (e será, de um jeito ou de outro) rompida, para que este aprenda a pesar suas ações (e omissões) como causas de suas dores e/ou alegrias futuras, na coletividade!

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  3. Viver Jesus… a Única Alternativa
    Meus filhos,
    Já não vos digo amanhã. O Evangelho do Senhor conclama-nos: Eia, agora!
    Agora é o santo momento de ajudar.
    Arregacemos as mangas da camisa da alma e sirvamos, sem cansaço, sem fastio.
    Assumimos um compromisso, antes do berço, que é o de restaurar, na Terra sofrida, o Reino dos Céus, conforme preconizado por Jesus.
    Muitas vezes, em nosso passado, fizemos parte dos heróis. da Era Nova, sem que tivéssemos tido forças para porfiar até o fim e debandamos.
    Volvemos, mais de uma vez, à Seara libertadora e, por razões do egoísmo e da insânia que nos atrelavam a um instinto perverso, falhamos em nossos compromissos iluminativos.
    Ouvimos o verbo quente e doce do pobrezinho de Assis, encaminhando-nos a Jesus e, tão logo ele retornou ao Reino, edificamos monumentos de pedras adornados de ouro, longe dos leprosos de Rivotorto e dos pobrezinhos a quem ele tanto amava, traindo-lhe a confiança.
    Com Allan Kardec aprendemos o amor racional e deslumbramo-nos com a Doutrina firmada na Ciência e na Razão.
    A nossa atitude não pode ser decepcionante. Temos compromisso com a Verdade, de cujo conteúdo conseguimos insculpir, no íntimo, algumas das expressões mais belas.
    Outra alternativa não existe senão, meus filhos, viver Jesus, neste momento de Mamon, neste momento de loucura e de constrições perturbadoras.
    Nós, os Espíritos espíritas, que mourejamos na seara da Revelação Kardequiana, estamos de pé, como vós outros, para juntos entoarmos o hino de exaltação à vida, enquanto as mãos operam na caridade que dignifica através do amor que santifica as vidas.
    Prossegui! Mantende-vos coerentes com as lições que vos empolgam a alma e deixai que o Senhor da vida vos conduza, com segurança, ao sublime destino da plenitude.
    São os nossos votos.
    Vossos amigos espirituais, que me fizeram intérprete do seu pensamento, afagam-vos com delicadeza e afetividade.
    Ide em paz! Tomai da charrua e porfiai com abnegação!
    São os votos do servidor humílimo e paternal de sempre

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