Qual narrativa econômica vai substituir o neoliberalismo hoje dominante?

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“O caos assola a nossa terra, causado por forças poderosas e nefastas que trabalham contra os interesses da humanidade. Mas o herói se revoltará contra essa desordem, lutará contra essas forças poderosas, e contra todas as probabilidades vai derrubá-las, assim restaurando a harmonia.” Essa estrutura narrativa, que é a base das histórias bíblicas, de sagas como O Senhor dos Anéis e Harry Potter, é também a base das narrativas que definiram as políticas econômicas do século XX. 

O jornalista investigativo George Monbiot acredita que para sairmos desse contexto político e econômico conturbado em que estamos, precisamos de uma nova narrativa. No passado, crises econômicas e geopolíticas foram o estopim para novas narrativas que influenciaram todos os espectros políticos. Ainda que democratas e republicanos (nos EUA), trabalhistas e conservadores (na Inglaterra), esquerda e direita tenham visões diferentes sobre a realidade e sobre como chegar até o futuro, abraçaram essas narrativas como restauradoras da ordem. Ele nos apresenta dois exemplos.

O primeiro foi a narrativa proposta pelo economista John Maynard Keynes. Depois que a economia liberal desencadeou a Grande Depressão (crise de 1929), ele escreveu uma nova economia e a encaixou numa história que dizia mais ou menos o seguinte: “O caos assola a nossa terra. Causado pelas forças poderosas e nefastas da elite econômica, que dominam a riqueza do mundo. Mas o herói da história, o Estado, apoiado pela classe trabalhadora e pela classe média, contesta essa desordem, combate essas forças poderosas redistribuindo a riqueza e, ao gastar dinheiro público em bens públicos, gera renda e empregos, restaurando a harmonia.” O keynesianismo ressoou em todos os espectros políticos e dominou a economia ocidental durante boa parte do século XX.

Nos anos 1970 esse modelo apresentava problemas. Economistas como Friedrich Hayek e Milton Friedman desenharam as regras para uma nova economia – o neoliberalismo. A história que eles contaram era mais ou menos assim: “O caos assola a nossa terra. Causado pelas poderosas e nefastas forças do Estado imenso, cujas tendências coletivizantes esmagam a liberdade, o individualismo e as oportunidades. Mas o herói da história, o empreendedor, lutará contra essas forças poderosas, reverterá o controle do Estado e, criando riqueza e oportunidade, restaurará a harmonia.” E essa é a narrativa dominante hoje.

Aqui cabe uma digressão – uma característica interessante das narrativas dominantes é que para sobreviverem elas precisam distorcer a realidade que moldou a narrativa anterior que ela combateu. Um exemplo disso é a ideia que as pessoas tem sobre quem foi John Maynard Keynes. No mundo regido pela mentalidade neoliberal não é difícil encontrar quem diga que Keynes era comunista. Nada mais longe da realidade. Mas a narrativa dominante só funciona quando elege inimigos. Vejam abaixo quem foi o capitalista Keynes:

Mas como será a narrativa que vai substituir o neoliberalismo hegemônico? Depois da crise de 2008, ficou claro para os Estados e mesmo para o sistema financeiro global que o modelo econômico que temos hoje não se sustenta mais. As grandes corporações e o capital improdutivo do mercado financeiro concentram a riqueza na mão de poucos e os Estados têm poucas ferramentas para equilibrar essas distorções. Se somarmos a isso as pressões que o avanço da tecnologia tem exercido no mercado de trabalho e a crise ecológica que o planeta vive, fica claro que precisamos urgentemente de um novo modelo econômico. Mas quais serão os parâmetros para uma nova narrativa que conquiste os corações e mentes dos mais variados espectros políticos e a partir disso prevaleça sobre a narrativa atual?

Para George Monbiot, a nova narrativa tem que estar enraizada na compreensão atualizada sobre quem somos nós, seres humanos, e como nós funcionamos. Nos últimos anos as descobertas da neurociência, da genética e da antropologia têm mostrado que uma das características mais fortes (tanto biológica quanto cultural) é a cooperação. Foi por causa da cooperação que sobrevivemos ao clima, aos predadores e às doenças. E essa característica pode ser a base de uma nova economia. A narrativa que ele propõe diz assim: “O caos assola a Terra. Causado pelas forças poderosas e nefastas de pessoas que dizem que a coletividade não existe, que nos dizem que o nosso maior propósito na vida é lutar como cães famintos sobre uma lixeira. Mas os heróis da história, nós, nos revoltaremos contra essa desordem. Combateremos essas forças nefastas construindo comunidades ricas, envolventes, inclusivas e generosas e, ao fazê-lo, restauraremos a harmonia na Terra.”

Parece utopia, mas as outras duas narrativas também soavam impraticáveis até que a necessidade estimulou a cooperação entre diferentes espectros políticos e aquelas ideias passaram ser testadas na realidade. Hoje já temos cooperativas, conselhos, organizações sociais, ferramentas de democracia direta, e todas essas iniciativas cresceram na medida que a narrativa vigente hoje foi apresentando suas rachaduras e fragilidades. Já temos modelos e massa crítica suficientes para implantar essa nova narrativa. Só falta nos conscientizarmos de que esse é o caminho.

 

 

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