A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Européia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anuncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.
Mas os anuncios já não estavam mais lá. Carole soube deles através do relato dos moradores que descreveram as peças publicitárias que apareceram de forma insistente no período imediatamente anterior ao referendo. A única fonte que poderia mostrar as postagens, informar quem pagou por elas e qual o alcance que elas tiveram (e portanto qual o impacto na escolha da saída do bloco econômico) era o próprio Facebook. E a empresa de Mark Zukerberg se recusou a fornecer tais informações.
As ferramentas digitais como – Facebook, WhatsApp, Instagram – são recentes e a maioria dos países não tem uma legislação para regular o uso das possibilidades que elas oferecem. Aliás, a cada par de meses surgem novas características dentro dessas mesmas ferramentas (como ter um perfil para empresas, depois postar anúncios, depois “impulsionar” as postagem pagando para aumentar o alcance deles, etc).
A forma como funcionam os processos democráticos dos países, como o debate entre diferentes partidos, a escrita e negociação sobre projetos lei, o trâmite das votações na câmara, depois no senado, voltando para a câmara, com possibilidade de veto total ou parcial pelo presidente, etc, claramente não tem a mesma agilidade das novas tecnologias. Além disso, os políticos que são os representantes escolhidos por nós para navegar por todos esses trâmites, têm seus interesses particulares. Um deles é o de atrair financiadores para suas campanhas para poderem se manter nos cargos por sucessivos mandatos.
O que Carole descobriu sobre a manipulação da campanha a favor do Brexit é que além do uso massivo das redes sociais e do conteúdo mentiroso dos anúncios, o dinheiro que pagava os impulsionamentos (e engordava a receita do Facebook) vinha de lugares nada ortodoxos, como empresas russas. Mais do que isso, a investigação da jornalista encontrou um elo entre o que aconteceu no Brexit e a campanha que elegeu Donald Trump, presidente dos Estados Unidos.
O documentário Privacidade Hackeada (disponível no Netflix), mostra o uso dos dados que todos nós cedemos ao Facebook (nos testes de personalidade que fazemos e postamos na rede social, por exemplo), por empresas como a Cambridge Analytica. A partir dessas informações, a empresa mapeou o perfil psicológico dos eleitores norte-americanos, identificou aqueles que seriam sucetíveis a uma manipulação e direcionou a propaganda pró-Trump para esse grupo. O truque é manipular sentimentos de ódio e medo, fazendo com que as dúvidas (racionais) dos eleitores se transformassem em certezas (irracionais). A Cambridge Analytica comemorou a vitória de Donald Trump como um grande momento. Com esse caso de sucesso, eles poderiam oferecer o serviço dele para muitos governos pelo mundo.
Se ingleses e norte americanos foram manipulados pelo uso ainda não ilegal de ferramentas que hoje são globais, qual a possibilidade de nós aqui, na periferia do mundo, não estarmos à mercê dessas mesmas práticas? O trabalho investigativo da jornalista Carole Cadwalladr parou a empresa Cambridge Analytica, mas ainda não conseguiu responsabilizar legalmente o Facebook. A democracia ainda não tem defesas legais ou institucionais frente a esse casamento da tecnologia com o dinheiro dos mais ricos, que impõe a todos nós seus interesses econômicos e políticos.
O jornalismo ético é a última linha de defesa, mantendo as democracias vivas, ainda que feridas, nesse contexto de desinformação e mentiras que estamos vivendo. Nosso papel enquanto sociedade é apoiar a pluralidade da imprensa, financiar os profissionais que trabalham de forma independente (já que eles não estão dentro de uma estrutura corporativa que os proteja, e por isso são alvos de múltiplos processos que os fragilizam financeiramente). Ainda que nossas emoções possam ser manipuladas, nós somos responsáveis pelo que escolhemos fazer quando sentimos ódio e medo. Acompanhar o trabalho de jornalistas como Carole Cadwalladr, The Young Turks, Glen Greenwald, Luis Nassif, Bob Fernandes, entre outros, é essencial em tempos de manipulação.
Muito oportuno para refletirmos sobre a manipulação nas redes sociais!
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