Já falei aqui sobre como a luta das mulheres por igualdade tem oferecido uma janela de oportunidade para os homens discutirem as consequências nefastas do machismo para eles mesmos. Também já escrevi sobre Roman Krznaric, que nos fala de uma empatia cognitiva, portanto racional (motivada pela escolha consciente), que pode nos levar a compreender as motivações e os sentimentos daqueles que estão no poder (ou que detém privilégios construídos culturalmente), para que então possamos desenvolver estratégias para transformarmos a sociedade.
É esse exercício de empatia pelos homens que abandonam seus filhos que nos propõe o livro Doing the Best I Can dos pesquisadores Kathrin Edin e Timothy J. Nelson. Os autores relatam a inspiração e a esperança suscitadas pela gravidez, e a subsequente possibilidade de forjar laços familiares duradouros, ao mesmo tempo que descrevem os erros e descaminhos que levam o casal ao fim da relação. Com base em anos de entrevistas, eles mostram como as mudanças econômicas e culturais transformaram o significado da paternidade entre a população pobre das grandes cidades dos Estados Unidos.
O colunista do New York Times, David Brooks, em recente coluna sobre o livro de Edin e Nelson escreve:
Milhões de crianças e adolescentes pobres crescem sem seu pai biológico, e muitas vezes quando você os questiona sobre isso, ouve histórias sobre o barbarismo masculino. Os adolescentes descrevem como seu pai costumava bater em sua mãe, como um pai ausente tinha cinco filhos com mulheres diferentes e abandonou todos eles.
Os contos das crianças muitas vezes reforçam a imagem padrão que temos do pai ausente – o egoísta que espalha sua semente e deixa gerações de destroços em seu rastro.
No entanto, quando você pergunta aos pais ausentes, você vê uma imagem diferente. Você conhece caras que desesperadamente não queriam deixar seus filhos, que juram que tentaram estar com eles, que podem se sentir indignos da paternidade, mas que não querem ser o pai desaparecido, como seu próprio pai foi.
Brooks continua nos dizendo que, de um lado, a gravidez não planejada é resultado direto da falta de diálogo (entre as partes e da sociedade como um todo) sobre essa possibilidade. Casais muito jovens que se conhecem pouco, ou que param de usar métodos contraceptivos quando entendem que o relacionamento deles é estável. De outro, a maioria dos homens (quase 75%) ficam felizes com a notícia da gravidez. O futuro filho é uma chance de ter um papel respeitado, encontrar amor e propósito, colocando para trás o passado negativo e sem perspectiva.
Apesar dessa determinação séria de se comprometer com o filho, o que leva ao afastamento do homem é o enfraquecimento do vínculo do casal. Laços fracos são tencionados pela chegada do bebê e a ilusão de um amor romântico que magicamente resolveria todas as incertezas vai desaparecendo. Para o homem, a nova mãe passa a ser mais uma figura de autoridade a ser desafiada.
Para Brooks, a boa notícia da pesquisa Edin-Nelson, é que os chamados pais ausentes querem ter sucesso no papel de pais. Seus objetivos e valores os orientam para a direção certa, mas eles estão presos em uma fantasia sem sentido. Eles precisam de ajuda para chegar onde eles querem ir. Esse é um trecho de umas das mais de 100 entrevistas que os pesquisadores fizeram:
“Numa época da minha vida, as drogas eram tão importantes que eram tudo com o que eu me preocupava, e chegou a um ponto em que eu não via minha família e meu filho com freqüência. Queimei uns cinco ou seis mil dólares nessa vida. Chegou ao ponto em que eu vivia na rua, tão mal, que eu era procurado pela polícia. Meu filho provavelmente tinha cinco anos e me lembro de visitá-lo com uma barba cheia e horrível que eu nunca tive antes. De cabelos longos e sem tomar banho há vários dias, eu me lembro de chorar para ele, pedindo desculpas. E eu lembro dele me abraçando, dizendo que estava tudo bem, enquanto eu estivesse ali pra vê-lo. Um Natal, eu não tinha nada para dar para ele, e ele me disse que só a minha presença era todo o presente que ele precisava. E então, quando eu cheguei nesse fundo do poço, eu queria me matar, foi muito ruim.
Um amigo meu disse que eu poderia ir para a Flórida morar com a mãe dele e que o seu irmão poderia me arranjar um trabalho. Mas a idéia de nunca mais ver o meu filho me dilacerou. Naquela noite eu sabia que eu tinha que repensar e encarar de frente as minhas escolhas, para que eu pudesse mantê-lo na minha vida. Ele era meu salvador; ele me ajudou a superar isso, e hoje eu posso reclamar das coisas sobre as quais as pessoas normais reclamam. Eu não tenho comida suficiente na minha geladeira, eu não tenho dinheiro suficiente no bolso, mas eu tenho um teto sobre minha cabeça. Meu filho me ama. Nós ficamos limpos e tomamos banho. Temos roupas limpas, então eu tento não ser ingrato. Nada aconteceu da noite pro dia, é essa coisa de um dia depois do outro. Mas, como eu disse, meu filho é meu salvador e ele significa tudo para mim”.
A possibilidade de mostrar as próprias fragilidades, de dizer para um filho “eu te amo”, de chorar e sentir, nada disso é comum ao mundo masculino. É muito recente e ainda inconstante essa nova masculinidade que está se formando. E isso também tem consequências para a construção de relacionamentos afetivos. O amor mágico, romântico, que nos move e nos salva de nós mesmos, dos contos de fada e das novelas de cavalaria, precisa de uma atualização. Somos responsáveis pelas nossas escolhas e o amor também é uma escolha.
Diante de relacionamentos, gravidez, filhos, podemos encontrar nosso sentido existencial se escolhermos viver tudo isso de forma intensa, nos responsabilizando por cada passo. Parece um fardo terrível, mas é infinitamente mais leve do que se perceber como vítima impotente do mundo. A constante lamentação e frustração nos leva ao fundo, nos desconecta de tudo e esvazia o propósito de viver. Nesse sentido, o machismo é uma forma de auto-opressão que tem como efeito compensatório a opressão generalizada dos outro (especialmente das mulheres). A escolha consciente por se responsabilizar nos enche de propósito, dá sentido e possibilidade de realização.
E como sociedade, também podemos seguir esse mesmo caminho. Ao invés de lamentarmos / rotularmos as vidas individuais das pessoas, nós podemos entender as pressões sociais e econômicas que as afligem para que possamos ajudá-las a se responsabilizarem e viverem uma vida com sentido. Isso é também uma escolha nossa, assim como é o amor.