Masculinidade tóxica e Educação

O documentário Let There Be Light, que o premiado cineasta John Huston fez para o exército norte-americano depois do fim da Segunda Guerra Mundial (1946), mostra o sofrimento psíquico dos veteranos de guerra e o tratamento pelo qual eles passavam, antes de retornarem ao convívio de suas famílias. Apesar do tom otimista e de superação do filme, o exército confiscou o filme, que só veio a público só na década de 1980, quando a ciência médica já havia definido um nome para a doença – transtorno de estresse pós-traumático.  Aquela guerra e os posteriores conflitos armados pelo mundo produziram gerações de homens emocionalmente alquebrados que, na paternidade, não conseguiram se vincular afetivamente a seus filhos.

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Esse é apenas um exemplo da fragilidade emocional que assombra os homens em pleno século XXI. Essa bola de neve de insegurança, alimentada pelas guerras (e aqui entra todo tipo de conflito, inclusive de gangues, de grupos sociais, o bullying na escola, etc), mas também pelas compensações do consumo, pela anestesia do uso de drogas lícitas (e ilícitas), pela ilusão de poder nas relações de trabalho, vem empurrando para baixo do tapete um problema que não vai desaparecer e que só poderá ser resolvido, se for encarado de frente.

Hoje, 2017, no Vale do Silício, onde nascem as empresas mais criativas e tecnológicas do mundo, uma enxurrada de denúncias de assédio sexual, feitas por empreendedoras que buscavam financiamento para seus projetos, vem causando um enorme desconforto no mundo (majoritariamente masculino) das startups. Investidores conhecidos e reconhecidos nesse meio estão pedindo demissão, pedindo desculpas, negando veementemente ou devolvendo as acusações, diante dos relatos que não páram de surgir. A necessidade de afirmação da masculinidade que faz com que homens ricos e bem sucedidos proponham dinheiro (financiamento) em troca de sexo para mulheres empreendedoras, que são vistas por eles como inferiores e suscetíveis a esse tipo de proposta, só pode pode ser explicada por uma fragilidade emocional grave.

Aqui no Brasil, as estatísticas estarrecedoras de morte de jovens negros da periferia, recentemente atualizadas no Mapa da Violência mostram um cenário complexo de racismo, vulnerabilidade social e econômica, e baixa escolaridade. Todas essas questões são potencializadas pela cultura do machismo que funciona como uma válvula de escape para uma vida esvaziada de sentido existencial. Para quem não tem nenhuma perspectiva, o que resta é se sentir parte de alguma coisa, no caso de um coletivo de homens que pensam e agem, educam e se relacionam através da violência.

O processo de educação (ou deseducação?) que forma essa masculinidade tóxica inclui a necessidade de perder a virgindade o mais cedo possível, de não parecer covarde (não demonstrar medo), de não chorar, de odiar e desprezar / ridicularizar o inimigo (como o torcedor do time adversário, por exemplo), a necessidade de demonstrar força (falando alto, bebendo, dirigindo agressivamente), de exibir um forte instinto sexual predatório (objetificando as mulheres). Não cumprir qualquer um desses pontos passa a ser uma prova inequívoca de homosexualidade, o que significa tonar-se desprezível e alvo de violência dessa masculinidade.

O resultado disso é uma vida constantemente vigiada. Na construção da masculinidade tóxica, os homens vão internalizando comportamentos que se tornam reflexos condicionados e os escravizam. E diante do trauma que fragiliza, como no caso dos soldados com transtorno de estresse pós traumático, ou dos multimilionários investidores que foram publicamente denunciados, a tendência é se agarrar ao condicionamento, mesmo que seja tóxico. Para os homens, o machismo é uma zona de conforto, e só algo externo pode quebrar esse ciclo vicioso. Em nosso século, essa janela de oportunidade tem nos sido oferecida pelas mulheres, em sua busca pela igualdade de gênero.

A crescente militancia das mulheres frente às consequências nefastas dessa masculinidade tóxica tem feito alguns homens buscarem as causas profundas desse problema. Um exemplo é o documentários The Mask You Live In,  que mostra a construção do machismo na infância e na adolescência e apresenta alguns caminhos para desfazer essa máscara que esconde as verdadeiras emoções e que está condenando as futuras gerações de homens a viverem no ostracismo de uma sociedade que não mais aceita tais valores. No Brasil o documentário Precisamos Falar Com Os Homens?, que é uma parceria da ONU Mulheres com o coletivo Papo de Homem (vídeo abaixo), traz algumas iniciativas de ONGs, que trabalham com homens enquadrados na Lei Maria da Penha.

Para deixar de ser tóxica, a masculinidade precisa de uma profunda revisão. E é a educação que vai libertar as novas gerações dos reflexos condicionados e das zonas de conforto violentas de seus pais e avós. E essa educação tem que trilhar o caminho da não-violência, da cooperação ao invés da competição, da liberdade ao invés da vigilância. O adoecimento mental, a depressão, o suicídio, são sintomas de uma sociedade doente. Já nos intoxicamos por tempo demais. É hora de começarmos a nos curar.

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