O vôo de galinha do foco, da gestão e do mérito na Educação

Os resultados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) apontaram casos exemplares como o do município de Sobral, no Ceará, que apesar das dificuldades socioeconômicas, apresentou resultados comparáveis aos de países ricos. Entre as causas dessa exceção entre as escolas brasileira, são citadas o foco na erradicação do analfabetismo, a gestão diferenciada e a valorização meritocrática do professor. Comparada à baixíssima qualidade do ensino que é o padrão da educação no Brasil, casos como o de Sobral passam a ser referência e inspiram programas e políticas públicas, mas a realidade global e cada vez mais complexa nos pede um olhar mais acurado.

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O foco na erradicação do analfabetismo levou à criação do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), que deu origem ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Os resultados do Paic no Ceará, medidos pela Prova Brasil, entre outras incontáveis avaliações e medições, são impressionantes quando comparados ao atraso na alfabetização que pode ser visto na maior parte do país, e que leva ao baixo rendimento no Ensino Fundamental, à evasão e finalmente ao analfabetismo funcional de boa parte da população. Mas um olhar atento ao vídeo de divulgação do PNAIC nos aponta algumas questões:

A ideia da Idade Certa para a alfabetização está ligada à estrutura escolar que divide as etapas da aprendizagem em séries com o objetivo de levar o estudante estrategicamente (como diz o vídeo) ao (atualíssimo) ensino técnico, ou ao funil do vestibular. Portanto o que pauta essa estrutura é o mercado de trabalho. Qualquer coisa que não siga esse modelo é considerado fracasso e isso fica bem claro no vídeo. Todos os testes e exames que medem o desempenho dos alunos se baseiam nesse raciocínio e apenas apontam sucessos e fracassos válidos para esse modelo. A questão que se impõe aqui é que o que nós entendemos por mercado de trabalho vem se modificando nas últimas décadas de forma cada vez mais acelerada.

Por causa dos avanços tecnológicos exponenciais, as projeções indicam mais da metade das “profissões” que vão existir daqui a 5 anos ainda não foram criadas. E não é o caso de defender o modelo de educação que temos (ou o aprimoramento desse modelo como no caso do PNAIC), argumentando que não importa qual o tipo de trabalho a pessoas vai fazer no futuro, ela precisa ser alfabetizada de qualquer maneira. Países que já passaram historicamente pelo foco na alfabetização, no ensino técnico, no ensino universitário, entendem a necessidade de uma educação (em todos os níveis) focada no desenvolvimento integral, aliando teoria e prática, conectadas com o contexto global que é a realidade que nos cerca. Alfabetização, formação específica e escolha de carreira acadêmica são, nessa visão integral, uma consequência da educação, e não o seu foco.

A gestão também é apontada como fator essencial para o sucesso das escolas do Ceará, medido pelas avaliações nacionais. Uma maior autonomia para os diretores das escolas escolherem a equipe de professores e a possibilidade de afastar aqueles que não atingiram as metas, por exemplo, faz muita diferença, se considerarmos que no país a legislação estabelece estabilidade para os professores, coordenados por diretores indicados pelo político da vez. Não é incomum encontrar escolas pelo país onde os diretores indicados são analfabetos e os professores sem nenhuma motivação estão contando os meses para a aposentadoria.

Esse cenário desolador é consequência de um sistema político corrupto que infecta todas as ações que partem do Estado. Essa “república da carteirada” e do “você sabe com quem está falando?”, hoje está agonizando com tantos escândalos de corrupção e com a guerra declarada entre os Três Poderes. A tendência daqui para frente é que a gestão pública seja pautada por novos valores, mas é preciso cautela, já que na busca por soluções diametralmente opostas, acabamos abraçando ideias como uma meritocracia rasa, sem medir as consequências disso. Os bons índices das escolas do Ceará, são um exemplo dessa escolha inconsequente.

Assim como a implantação de avaliações como o ENEM e a ENADE levaram escolas a mascarar resultados com práticas abjetas de coação de professores e seleção de alunos, a premiação por resultados com incentivos financeiros para professores e escolas que atinjam determinadas notas nos exames, que medem o desempenho dos alunos do ensino básico, também seguem o mesmo caminho. As práticas em sala de aula passam a ter como único objetivo a nota da avaliação como a Prova Brasil, e mesmo que, comparado ao resultado pífio da maior parte das escolas do país, isso signifique uma melhora na educação desses jovens, não podemos perder de vista que educação não é instrução.

Antes do foco na erradicação do analfabetismo, da gestão diferenciada e da valorização meritocrática (leia-se compensação financeira por resultados) do professor, precisamos fazer a pergunta essencial – o que entendemos por EDUCAÇÃO? O foco das ações, sejam elas quais forem, tem que estar ancorado em um CONCEITO. Não podemos adotar diferentes práticas que resolvam problemas pontuais aqui e ali se de um lado fechamos os olhos para o conceito amplo de educação e, do outro, não vemos o contexto global, tecnológico e plural no qual vivemos hoje. Ainda que a Educação seja absolutamente prioritária no Brasil, não faz sentido remendar um sistema falido para um mundo que não existe mais.

Nota – Para saber mais sobre o caso de Sobral e sobre a lógica das avaliações intermináveis para definir Políticas Públicas para a Educação, leia esse texto do Blog do Freitas.

Mauricio Zanolini

 

3 respostas para ‘O vôo de galinha do foco, da gestão e do mérito na Educação

  1. Meus filhos estudam em uma escola estadual maravilhosa. É possível sentir o amor do diretor pela escola e pelos alunos… Ele até já está aposentado, mas continua participando da gestão. Porém uma coisa que me incomoda bastante nas reuniões com os professores era a importância dada para essas provas de medição. Parece que elas geram uma pressão generalizada terrível e tornam-se o foco da pratica docente por um tempo do ano letivo. É triste!

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