No site do Senado, está havendo uma pesquisa da opinião pública para a população se posicionar contra ou a favor ao PROJETO DE LEI DO SENADO nº 193 de 2016, proposto pelo Senador Magno Malta, pastor evangélico e cantor gospel.
Já discutimos nesse blog algumas questões a respeito do movimento Escola sem Partido, que inspira esse projeto de lei. Mas agora podemos nos debruçar especificamente sobre o texto da lei, para discutir alguns de seus absurdos.
Primeiro pressuposto que a lei assume: “reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado”. Toda a lei é vazada na concepção do aluno como objeto fraco, manipulável e submisso ao professor. Exatamente o que uma educação pela cidadania plena almeja é propiciar o desenvolvimento de um sujeito pensante e capaz de argumentar e defender suas convicções, construídas a partir do conhecimento de diversas posições. Essa lei coloca o estudante (inclusive universitário, porque a lei também quer se fazer valer no ensino superior), como alguém que não raciocina por si. Ao mesmo tempo, ela quer fazer do aluno um vigilante, um caçador de bruxas, um delator do professor. Ou seja, trata-se de dar ao corpo discente os instrumentos inquisitoriais que podem destruir o docente. Em termos de formação moral, é o que há de pior. Formar delatores, que denunciam seus professores, que não dialogam, não argumentam, mas estão habilitados a calar a boca de qualquer tipo de pensamento contrário às convicções que recebem e com que são doutrinados na família. Rompe-se qualquer relação pedagógica, de confiança, de afeto, de debate saudável. Os professores passam a ser vigiados em cada palavra.
A escola deixa assim de ser um lugar onde se pode aprender outras visões, além daquelas partilhadas pela família. É a escola controlada pelo fanatismo religioso, pelo obscurantismo. Por exemplo, se o aluno, evangélico radical, aprendeu em sua casa ou na igreja que cultos afro-brasileiros são coisa do demônio, se o professor der uma aula de cultura afro, estará (e isto está nas entrelinhas da lei) contrariando a fé do aluno e pode ser denunciado como doutrinador de religiões africanas. Houve um caso no Amazonas em que alunos evangélicos se recusaram a fazer um trabalho sobre o tema e deflagraram um motim da escola. Se o aluno aprendeu em casa ou na igreja que o homossexual deve ser discriminado e agredido e um professor fala a favor do respeito às diferenças, poderá ser denunciado como se estivesse induzindo os alunos a se tornarem homossexuais.
Se o professor discutir um texto sobre violência doméstica contra mulheres, poderá ser acusado de partidário das teorias de gênero (coisa expressamente condenada na lei).
Ou seja, tudo que é progressista, que trata dos direitos humanos, do avanço da civilização como lugar de liberdade, convivência plural, tudo o que é crítica aos sistemas de opressão, tudo que é discussão de ideias… fica abolido na escola. A escola (e a universidade) está posta numa camisa de força, sob censura, sob o guante de uma inquisição… de quem? Da Escola sem partido, que assume sim um partido, o partido do obscurantismo, do conservadorismo e do amordaçamento do livre pensar e do livre ensinar.
Mesmo sem a lei em vigor, essa caça às bruxas já está ocorrendo. Amigos ligados à nossa rede já estão perdendo empregos em Universidades, por serem “de esquerda”.
Aliás, é tão evidente a partidarização dessa lei que o autor é um pastor evangélico, contrário ao respeito às diferenças, carregado de dogmas opressores.
Não é a Escola sem Partido que está procurando arrancar a doutrinação de nossas escolas, ao contrário, esse movimento quer partidarizar todo o ensino brasileiro à extrema direita.
Aplica-se a lei aos livros didáticos também. Eu mesma, como autora de livros de ensino inter-religioso, que procuram aliás manter o máximo respeito à diversidade de crenças, filosofias e posições, já fui objeto de críticas persecutórias dessa gente, por causa de alguns textos críticos em relação à economia capitalista, com seu caráter predatório da natureza e exploratório do ser humano. Se não pudermos (e acho mesmo que é nosso dever) mostrar as mazelas de um mundo, que tem escravidão em toda parte em sua cadeia produtiva, que está secando os recursos naturais… então, para que servirá a educação? Para reproduzir pessoas programadas a obedecer pastores, como esse digníssimo Senador, aliás, como a maioria dos que arrotam moralismos medievais, envolvido até as orelhas em várias histórias de corrupção. Basta uma rápida pesquisa na internet.
Escolas e Universidades são lugares onde devem estar presentes o professor marxista, o anarquista, o liberal, o católico, o evangélico, o espírita, o pós-moderno… e todos eles com voz livre para exporem suas ideias, que os alunos poderão discutir livremente, construindo suas próprias convicções, claro, também em interação com a natural influência da família e da sociedade.
Mas, talvez a maioria não saiba: quem mais doutrina na escola brasileira são justamente os religiosos. Roseli Fischman (USP) dirigiu na década de 2000 uma pesquisa realizada em várias escolas públicas em diferentes estados brasileiros. Uma equipe de pesquisadores adentrou essas escolas, para observar como se dava a relação com a questão do ensino religioso, que segundo a Lei de Diretrizes e Bases deveria ser plural, respeitando as convicções de todos os alunos. E o que foi o que esses observadores viram? Que todas as escolas infringiam o princípio do Estado Laico, mantendo crucifixos, bíblias, fazendo pregações religiosas confessionais, rezando Aves Marias e realizando até desencapetamento de crianças. Ou seja, quem está mais doutrinando são as religiões e não a esquerda “comunista”!
Enquanto a escola não mudar em sua estrutura pedagógica, abolindo carteiras enfileiradas e professores falantes, depositando conteúdo na cabeça dos alunos, (como chamava Paulo Freire, atualmente tão caluniado, de educação bancária) a doutrinação sempre poderá ocorrer de um lado ou de outro. Mas o que garante que a liberdade de consciência de todos, professores e alunos, seja preservada é justamente mais liberdade, mais debate, mais participação… e não censura e perseguição política.
É lamentável que estejamos ameaçados por uma lei tão caricata, tão retrógrada e medieval, que aparece como um fantasma ditatorial no cenário da educação brasileira. Mas infelizmente, ela está bem dentro do contexto de total retrocesso em que estamos inseridos.
No Festival de Cannes, vimos a mobilização de atores, cineastas, brasileiros e estrangeiros, se manifestando com cartazes: “Não há mais democracia no Brasil”. Se uma lei dessas passar, será o golpe final no Estado democrático brasileiro.
Vá até a página no Senado, e marque sua posição, manifestando-se contra essa aberração!
Abaixo o link:
Vote no site do Senado
É assustador! Já votei CONTRA!
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Perto disso , as trevas….
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Acabo de votar CONTRA.. precisamos multiplicar isso e rápido.
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Depois de experimentarmos momentos democráticos cairmos numa situação dessas.
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Conheci um dedo duro, triste o fim dele. Agora uma pessoa ser educada para ser dedo duro, isso é demais para a minha cabeça.
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