Desde de sua criação, a prova do ENEM causa polêmicas e faz com que as
escolas repensem a maneira de ensinar e o que ensinar. A proposta da prova sempre foi ser diferente do viés de decoreba dos vestibulares tradicionais, obrigando aos candidatos a acessarem seu conhecimento de mundo e perceberem que o conhecimento não é algo estanque e engavetado por área de conhecimento, mas plural e diversificado.
É muito comum nas provas do ENEM se exigir numa única questão conhecimentos geográficos, matemáticos, químicos, históricos, por exemplo e a interpretação textual é algo que perpassa pela prova inteira.
A prova desse último domingo foi, como esperado, crítica, abordando temas atuais e de cunho social, como direitos civis, questões de gênero e o uso da internet. Questões relacionadas aos direitos humanos já fazem parte da prova há muito tempo, e desde 2013 o respeito aos direitos humanos passou a ser uma das regras exigidas na elaboração da redação.
Quem trabalha no ensino médio e/ou prepara os alunos para fazerem as provas dos vestibulares e do ENEM sabe muito bem que essa última sempre aborda temas atuais e que estão sendo socialmente discutidos; então, a prova desse ano não tem nada fora do que já estava previsto. Aliás, muitos professores já haviam alertado para que os alunos pensassem e se informassem sobre como a internet e as redes sociais estão afetando o cotidiano das pessoas e atuando como determinantes sociais como uma possibilidade de tema para a prova de redação.
Porém, diferentemente do que muitos estão pensando, a prova de redação não era sobre fake news e quem escreveu somente sobre isso, com certeza terá sua nota reduzida, pois somente está tangenciando o tema, uma vez que não falava sobre a influência nas eleições, mas do consumo de dados. Ou seja, o candidato poderia abordar sobre a eleição do Trump, do Bolsonaro, do caso Cambridge Analytics, por exemplo, mas como complementos ao tema, não como seu foco principal.
Não é de se espantar que num momento em que a escola vem sofrendo ataques, a prova do ENEM também o sofra, uma vez que ela também é um instrumento para a discussão do currículo escolar. Contudo, as críticas à prova são tão frágeis quanto as atuais críticas a escola – como as do projeto da Escola sem Partido, por exemplo.
Uma das questões mais polêmicas da prova, foi a que tinha no título “o dialeto secreto utilizado por gays e travestis”, que exigia um conhecimento sobre dialetos e seus usos. O texto, para abordar a questão poderia ter sido sobre o dialeto de comunidades italiana, judia, árabe, chilena ou mesmo sobre o modo de falar dos jovens entre si, mas por ser um assunto que foi muito discutido ao longo do ano (os direitos das minorias e as lutas da comunidade LGBT), os criadores da prova optaram por utilizar esse texto, pois como dito anteriormente a prova tem como premissa abordar temas atuais. A questão da prova, portanto, não obrigava que o candidato soubesse falar o dialeto ou está propondo que a escola comece a ensiná-lo, mas utilizou-se dele tão somente para abordar um tema pertinente ao currículo de Língua Portuguesa.
As perguntas que ficam são: porque fazer menção à comunidade LGBT numa prova de nível nacional choca tanto e causa tanto alvoroço? Os problemas são as questões utilizadas na prova ou problemas muito mal resolvidos em nossa sociedade? Mais uma vez o ENEM cumpre um de seus papeis de trazer para escola discussões pertinentes e necessárias e mostrar que ainda temos um longo caminho para trilhar.
Tathiane Graziela Cipullo