Cada vez mais o desenho é reconhecido como uma ferramenta/habilidade que serve para uma gama muito ampla de aplicações. Além de seu uso prático, pontual, o desenho tem uma relação simbiótica com a criatividade e por isso está profundamente ligado à educação. Já falei aqui no blog como a escola voltada para o mercado de trabalho mata a criatividade e também sobre o processo que vai nos fazendo parar de desenhar, coisa que é tão natural na infância de qualquer pessoa. Só que agora, neste nosso jovem século XXI, saber desenhar, saber se expressar graficamente, está se tornando rapidamente uma habilidade fundamental.
As plataformas digitais tem que ser desenhadas. É preciso criar uma organização na tela de computadores, tablets, smartphones, etc, para que essas interfaces se comuniquem conosco, os usuários. Mais do que isso, a sequência de cliques que fazemos com nossos dedos em mouse ou telas sensíveis devem ser cuidadosamente pensados. Nossa experiência de navegação por sites, redes sociais, mesmo as idas e voltas que fazemos de um aplicativo a outro, devem ser desenhadas para que o resultado desse desenho seja uma experiência, que alguns chamam de intuitiva. Os ícones e a sequência de cliques nos levam a uma navegação quase sem esforço. A habilidade de crianças operando tais aparelhos nos mostram quão universais e simples são essas interfaces.
Se fosse uma opção ficar passivamente consumindo, usando essas interfaces, sem ter que pensar de onde elas vieram e como foram criadas, não haveria necessidade de se voltar ao lápis e ao papel para desenharmos. Mas as próprias interfaces são cada vez mais interativas, pedem a nossa participação, nos municiam de ferramentas criativas como canais de vídeo, aplicativos com filtros para fotos, softwares de mixagem e edição de áudio. As novas gerações se atiram a essas novas possibilidades e produzem freneticamente filmes, músicas, peças gráficas. O ambiente para a criatividade explodir nunca foi tão profícuo.
E é aí que entra o desenho. Algumas pesquisas sobre nossos hábitos de leitura em plataformas impressas e digitais mostram que no mundo virtual a lógica da leitura é fragmentada. Os hiperlinks no próprio texto, que nos levam a outras fontes, a possibilidade de acessarmos rapidamente informações relacionadas ao conteúdo que estamos estudando, ou mesmo o impulso de ver o perfil da rede social do autor daquele texto, fazem com que a leitura seja essencialmente expansiva. O texto impresso permite uma leitura mais focada, por isso menos mais introspectiva, levando a uma maior ressonância e reflexão. Tanto uma com o outra convivem e se influenciam mutuamente. Hoje o texto impresso que quer dialogar com as novas gerações busca se desdobrar em outras mídias, com material extra em sites, interação com os autores, videos, hangouts, transmissões ao vivo ou algum outro tipo de interação, desenhando uma experiência expandida para o leitor. Já a mídia digital busca organizar a informação dispersa desenhando infográficos que organizem o caos, páginas que apresentem soluções visuais elegantes, aplicativos que eliminam determinadas notícias, que escurecem o resto da tela durante um streaming de vídeo, nos ajudando a nos concentrar em meio a cacofonia.
Como todas essas coisas são essencialmente visuais (telas) e narrativas (pensando na experiência de navegação/interação), a capacidade de criar e contar histórias e a habilidade de se expressar graficamente (desenhando) são vitais para navegarmos por esse mundo novo e complexo. Nunca antes foi tão importante ler quadrinhos, assistir filmes, jogar games e também ter estímulo para produzir todas essas coisas, mesmo que de forma insipiente, com o material que se tem a mão. A brincadeira e o entretenimento são estruturais para esse futuro que já está aqui, batendo à nossa porta.
Mauricio Zanolini