Necessidades, identificação e ódio. Onde tudo isso pode realmente nos levar?

Quando a figura de Hitler ascendeu na Alemanha do século XX, seu discurso não era apenas de ódio aos judeus, gays e ciganos (naquela cultura não havia negros, mas havia propaganda também para desqualificá-los como sub-raça). De forma alguma. O líder nazista tocava em sua fala questões de interesse geral da nação, ligadas ao campo social, tais como:

  • O problema da dissolução das instituições nacionais;
  • Decadência e corrupção na administração pública;
  • Soluções para a forte crise econômica;
  • Combate ao desemprego;
  • Salvar a Nação e a Pátria da falência após a primeira guerra;
  • Ressurreição dos valores morais, etc.
  • Tratava-se pois de um discurso supostamente moralista.

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Junto a estas promessas, dizia ele que boa parte dos problemas sociais estava também na existência de pessoas menos favorecidas ou aproveitadoras, que minavam as forças do país.

Dentre os “pesos sociais” constavam, então, os ciganos, os deficientes, judeus, gays…

E, por que será que o discurso de um ditador psicopata teve tanta ressonância na sofrida Alemanha?

Justamente pelo fato da maior parte da população estar insatisfeita, revoltada com a crise que se instalou após a primeira grande guerra.

Juliano da Silva Cortinhas, coordenador do curso de Relações Internacionais do UniCuritiba, afirma que “os governantes, mesmo se reprimirem suas populações pela utilização da força, tendem a não sofrer grandes pressões se fornecerem boas condições de vida” (2011).

Isso significa que, quando um povo tem suas necessidades atendidas, tende a aderir, inclusive, a posições extremistas, fundamentalistas, opressoras. Foi o que aconteceu na Alemanha. Bauman explica que muitas vezes se quer sacrificar a liberdade pela segurança. E Erich Fromm, que analisou muito profundamente o fenômeno nazista, também aponta causas psicológicas de necessidade de fazer parte de um todo, de sentir prazer em ser submisso, para sentir-se seguro.

Então, mesmo aqueles que simpatizavam com judeus ou gays, mas que não suportavam os corruptos, aderiram aos apelos do novo governante, pois a revolta falava mais alto aos corações que o bom senso e a justiça real.

Passaram por um processo de identificação (muito bem explicado por Freud, aliás) e se filiaram ao partido, como sendo ele a grande tábua de salvação. Ficaram cegos diante dos pontos equivocados, por tanto desejarem determinada solução em outro assunto.

Este é um processo psíquico, humano, tremendamente perigoso.

Quando aceitamos que um psicopata faça manobras para que um dos itens que ele defende prevaleça, mesmo cientes de que ele traz também, em sua bagagem, ideias criminosas, estamos aderindo a um pacote completo e não apenas ao ganho relativo em determinado assunto.

E o que isso tem em comum com o momento político que estamos vivendo, no Brasil?

Tudo.

O que acontece é que, quando pessoas como Bolsonaro, Cunha ou Malafaia ganham força em suas ações, mostram a existência desta identificação egóica entre alguns itens propostos por estes senhores e a vontade de uma população, mesmo estando todos cientes de que, no discurso também prevalecem a intolerância e o ódio, assim como em suas ações, medidas corruptas e criminosas.

Usando de artifícios psicológicos, Hitler comandou uma nação e exterminou milhões de pessoas. Saqueou lares, sob a desculpa de que estava devolvendo ao país os valores que dele foram roubados. E tudo isso nem faz tanto tempo!

Dá o que pensar…

Tenho lido nas redes sociais que não temos outra saída a não ser nos filiarmos a estes criminosos, para podermos retirar do poder outros criminososdepois lutamos para coloca-los para fora, também…”

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Este estado das coisas demonstra que estamos nos esquecendo de aspectos fundamentais. Corremos grandes riscos quando nos aliamos ao mal para combater o mal.

Deixamo-nos levar por discursos de ódio, nos inflamamos com muita facilidade e perdemos o foco, esquecendo-nos de que, para que o bem prevaleça ele deve estar em todos os aspectos de uma questão, ou sempre será apenas o corpo do mal perfumado com fragrâncias do bem. Não é ético dizer que os meios justificam os fins, pois como dizia Gandhi, os meios já fazem parte dos fins.

Quando nos deixamos arrastar nesta tormenta social, esquecemos de avaliar, com propriedade, qual a causa principal dos problemas.

Corrupção, como sabiamente afirma Monja Coen, é questão sintomática. Antes dela, precisamos rever de que forma nos tornamos corruptos. Ademais, precisamos compreender melhor como os corruptos chegam ao poder e como podemos romper com este ciclo em nosso país.

Ódio por corruptos não cura e nem nunca irá curar a corrupção, entretanto nos contamina radicalmente o psiquismo, causando grandes prejuízos, inclusive nas relações sociais.

É preciso compreender que nosso sistema emocional, quando abastecido de vontades de justiça, nem sempre consegue conter sua fúria, bloqueando a atividade cortical mais ampla, regida por áreas frontais do cérebro.

Se por um lado, em momentos de vida ou morte, este sistema precisa prevalecer, de outro, quando temos mais saídas, outras vidas envolvidas, outros aspectos a serem contemplados, é preciso muita cautela, meditação e observação.

Só assim temos alguma chance de sermos, enfim, justos, como sempre desejamos ser.

Claudia Mandato Gelernter

4 respostas para ‘Necessidades, identificação e ódio. Onde tudo isso pode realmente nos levar?

  1. Concordo , infelizmente vivemos um momento em q. as pessoas não conseguem + discernir o mal e o bem . Um ódio avassalador vem nos minando , somos instigados principalmente por tudo o q. estamos passando nesse momento crucial de crise economica, politica e social

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  2. Concordo com muitas coisas do teco e outras não… Vocês realmente acham que o ódio está somente em um lado? Os dois lados estão incitando o ódio, os dois lados estão intolerantes e o que quer que aconteça será responsabilidades dos dois lados. Um extremo não existe sem o outro e por mais incrível que pareça, normalmente estão mais próximos do que achamos…

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