De Pestalozzi para Pestalozzi – nome recém atribuído a este trabalho, foi um projeto de tradução de 8 semanas encomendado aos alunos do 5º. e 6º. semestres do curso de Letras Tradutor e Intérprete, na disciplina de Prática da Tradução – Gêneros Literários, da Faculdade Anhanguera, unidade Vila Mariana/SP – Brasil. O objetivo foi simples: traduzir 34 cartas de Johan Heinrich Pestalozzi sobre a educação infantil do texto original em inglês para o português do Brasil. Uma experiência pedagógica bem sucedida, profunda, interdisciplinar, pestalozziana, com requintes tecnológicos que aproximou a faculdade privada, a Editora Comenius e a Universidade Livre Pampédia.
A integralidade do projeto que tocou em várias dimensões do desenvolvimento individual e coletivo foi seu principal destaque. A dimensão afetiva foi explorada na aula inaugural do projeto, pois era preciso conectividade. Dora Incontri – certamente uma das maiores especialistas em Pestalozzi – foi convidada para falar aos alunos e inteirá-los sobre a relevância do trabalho. Houve brilho nos olhares! A conexão necessária jamais se perdeu no transcurso do trabalho. Mas essa aula inaugural não significou só isso – como se já não fosse bastante – instaurava-se ali a conquista de uma sinergia emblemática e tendência mundial nos dias de hoje que é o fato de empresa e universidade cooperarem juntas para a realização de um projeto de relevância múltipla como este. Foi gratificante ver como os alunos se sentiram importantes, afinal estariam construindo algo de vulto para a sociedade, comunidade científica, área da educação e assinando seu primeiro trabalho como tradutores no mercado editorial.
Esse resultado tangível, de reconhecida utilidade e importância é um dos mais importantes aspectos da dimensão pedagógica do trabalho. O aceite do trabalho de tradução dos alunos pela editora e para publicação deixou clara a importância da proposta, do objetivo e guiou os alunos na jornada de trabalho. Outro aspecto de profundidade pedagógica foi o fato de que os alunos autonomamente se organizaram, sugeriram e validaram as formas de trabalho. Num primeiro momento, dividiram as cartas entre si, considerando o tamanho do texto para que cada um traduzisse uma quantidade igual de conteúdo, mas no decorrer do trabalho, viram que não poderia ser este o ponto, já que se quiséssemos fazer um trabalho que realmente pudesse ser publicado um pensamento restrito à quantidade de texto que um ou outro traduziria não poderia se estabelecer ali, e veio o “insight” – um dos mais bonitos: reavaliaram a situação, consideraram as particularidades de cada um dos envolvidos, levaram em conta tempo, destreza de cada um e pensaram na qualidade do trabalho final, alguns traduziram mais outros menos, alguns trabalharam mais e outros menos, mas todos estiveram reunidos em torno de um objetivo, todos se ajudaram e se sentiram contemplados, o respeito às individualidades foi preservado coletivamente e assim também se deu o aprendizado – não poderia ser mais pedagógico e pestalozziano! Primeiro, eles traduziram as peças, depois as trocaram entre si para revisá-las, fizemos um glossário específico dos termos utilizados nas cartas. Foi uma decisão deles também formar uma equipe de revisores antes de finalizar o trabalho e assim fizemos. É preciso que se diga que o projeto, as interações entre alunos, professor, editora, as revisões e comunicações foram feitos em arquivos compartilhados na rede mundial de computadores – o projeto foi realizado “na nuvem”.
Do ponto de vista tradutório a experiência também foi rica. Os 16 tradutores – cada um com seu estilo – se depararam com 34 cartas que haviam sido escritas pelo mesmo autor e, portanto o estilo e a estética precisariam ser comuns em cada uma delas, a atitude do tradutor na execução do texto precisaria ser a mais imparcial possível – sua pessoalidade não poderia aparecer muito a fim de que pairasse na superfície do texto a autenticidade do autor. Para minha surpresa, o envolvimento foi tal, a conexão foi tanta, que isto aconteceu naturalmente – de primeira, os ajustes na revisão ficaram por conta de acertos técnicos como correções de pontuação, um ou outro deslize de concordância e coisas assim, o essencial mesmo. Mas o espírito do texto já estava ali, inteiro e ao mesmo tempo divido em cada uma das cartas. Cada tradutor se enriqueceu individualmente, mas não perdeu de vista o coletivo – nem poderia. Pestalozzi em suas cartas fez menções a fragmentos bíblicos, reproduziu trechos de poesias sem tradução para o português. Desafios tradutórios que os alunos aceitaram e venceram. Além disso, compreenderam que não é possível realizar um trabalho de tradução sem que haja uma apropriação do texto e do contexto do autor e sem se identificar com o tema.
Foi uma experiência pestalozziana, não somente porque as cartas traduzidas são do próprio Pestalozzi, mas porque avaliamos, reavaliamos o processo, absorvemos cognitivamente a experiência, aprendemos na prática, construímos pelo caminho e nos envolvemos com afeto – cada um de nós era cabeça, mãos e coração construindo, aprendendo – realizando um projeto, parte de uma jornada de desenvolvimento individual e coletivo que não tem fim.
Este foi um singular projeto tradutório de profundidade e relevância pedagógicas, realizado pela educação, na prática educativa, dentro de uma escola convencional, num curso superior de tradução e letras. Embora reconheça meu importante papel de articulador e coordenador deste trabalho – que foi lindo – não acho que foi uma ideia brilhante concebida por mim, pois seus elementos constitutivos já existiam todos como o texto de domínio público esperando para ser traduzido para o português, aspirantes a tradutores ávidos pelo seu primeiro trabalho, a editora comprometida com a difusão de textos relevantes para a transformação social e a faculdade que continuamente busca parcerias com a empresa para enriquecer a prática dos alunos. E vejo ainda que essa articulação entre as pessoas, instituições, conhecimentos pode nos levar muito longe. Basta que estejamos conectados, que tenhamos em mente as oportunidades e que todos queremos aprender. Sempre!
Renato Andrioli é tradutor e intérprete, pós-graduado em Pedagogia Espírita e Tanatologia, professor Universitário de Tradução na Anhanguera – Unibero.
Que belo projeto!!!
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Adorei. A cooperação sempre traz à luz algo mais rico, humano, coeso… Parabéns pela iniciativa. Que venham outras, como mais pestalozzi e comenius ainda serem traduzidos.
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Quando há união, há força. A simples vontade de participar de um projeto, onde o nível de pensamento é uníssono, onde transpira Amor pela Sabedoria, faz com que a positividade satisfaça o resultado final.
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E as oportunidades estão em toda parte, mas é que muito frequentemente ficamos tão alienados na forma de sociedade em que vivemos que não nos damos conta delas.
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