A arte comunica de forma certeira, nos diz muitas coisas ao mesmo tempo, é profunda e transformadora. Por tudo isso ela é uma ferramenta poderosa para educar, seja pelo fazer artístico, seja pela análise crítica de obras e de trajetórias de artistas. Os desdobramentos interdisciplinares que uma única obra de arte contém são riquíssimos. Vejam a seguir dois exemplos dessa força a partir de obras de arte que nasceram de questões sociais:
Em 1934, Dorothea Lange tinha um estúdio fotográfico de sucesso na Califórnia. Mas os efeitos sociais da Grande Depressão, causada pela quebra da Bolsa de Valores em 1929 estavam por todos os lados e a pobreza destoava muito dos retratos de famílias felizes que sustentavam seu negócio. Contratada pelo governo norte- americano para retratar os efeitos dos problemas econômicos, Lange deixou o estúdio e levou sua câmera para a estrada, retratando a vida dos migrantes que buscavam trabalho na costa oeste dos Estados Unidos. Em um acampamento, ela viu uma mãe rodeada por seus filhos. A família havia chegado para a colheita, mas descobriu que a plantação fora destruída pela chuva, dias antes. Junto com 2.500 migrantes, aquela família passava fome e não via solução para o seu drama. Esta foto foi publicada em todos os jornais do país e chamou a atenção do público para o assunto. Mais do que registrar, a imagem de Lange conectou as pessoas ao drama de uma mãe que olha para o futuro, preocupada com sua família e, ainda hoje, nos compadecemos com a expressividade humana profunda do retrato.
Em 1991, Nova York estava enfrentando a crise da AIDS e o debate político que misturava dogmas religiosos paralisava qualquer ação que olhasse para a situação como um problema de saúde pública. A “praga gay”, como era conhecida pela opinião pública, era vista como um castigo merecido e os homossexuais estavam marginalizados e desamparados. O artista Felix Gonzalez Torres então pendura dois relógios na parede, usando uma imagem simples como resposta à incerteza da época. Dois relógios que começam marcando o mesmo tempo, que vão gradualmente perdendo a sincronia. A circunstâncias ou a doença podem fazer você sair de sincronia em relação a alguém próximo a você. Um objeto simples, quase invisível, quando passa a ser uma metáfora, pode dizer muito sobre a vida e seus descompassos, o amor e as consequências do tempo. Sua sutileza é o seu poder.
Mauricio Zanolini
Ótimo artigo! Muito bom conhecer a origem dessa famosa fotografia.
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