Acaba de cair em minhas mãos um vídeo (no final desse texto) realizado por alunos do colégio Equipe, no qual entrevistam Ausônia Donato, que é uma das diretoras do colégio conhecida por ser uma professora “das antigas”.
Não saberia explicar o objetivo da entrevista, pois o vídeo não traz referências, entretanto, é impossível não se emocionar com um depoimento tão sensível e consistente.
O vídeo começa com uma fala, que resume a história de uma mulher, que vê na Educação uma saída para desigualdade e a construção de um mundo melhor.
A primeira pergunta feita a ela é sobre sua infância e num discurso emocionado, apesar de editado, supõe-se que a professora tenha nascido na década de 30. Suas fotos vão se descortinando diante de nossos olhos e o depoimento fala de uma filha única que sofria bulliyng das meninas da rua onde morava e que por orientação médica ganhou um cachorrinho para afastar a solidão, que esse bulliyng lhe impunha.
Nesse trecho, Ausônia diz que poderia a qualquer momento revidar as agressões que sofria, mas dentro de si não achava correta a violência pela violência.
Outro momento importante do vídeo é quando ela conta como foi a perda de muitos de seus amigos durante a ditadura militar.
Mais adiante conta sua formação em saúde pública na USP e nos relata que foi demitida durante o mestrado por não cumprir o projeto. É então que se apresenta a Educadora: sua proposta de projeto era ensinar trabalhadores rurais a fazerem fossas em suas casas. Depois de se inteirar do assunto, conta que “vomitou” toda sua informação diante de 18 trabalhadores que se mostraram totalmente desinteressados e impassíveis diante dela. Depois disso, num lapso de empatia e improvisação, perguntou a eles porque não se interessaram pelo assunto e soube, para sua surpresa, que sabiam fazer fossas e que estavam realmente interessados em aprender a ler e escrever.
A professora que não tinha preparo para a alfabetização aceitou o desafio e em dois meses, eles já estavam lendo e, consequentemente, percebendo o quanto eram enganados pelo dono do empório que se valia da ignorância deles para cobrar o que eles não consumiam. Vale dizer que ela atribui essa coragem à figura de Paulo Freire que a inspirou.
Em outro momento, conta da experiência que fez com crianças da mesma idade e grau de escolaridade, mas de condições sociais diferentes. Ela pediu que todas respondessem a mesma pergunta: Você sabe o que é surpresa?
E a partir de respostas tão diferentes, apesar de corretas, ela se perguntou: podemos ensinar tudo a todos da mesma maneira? Pois é. Não podemos.
Ao longo da entrevista, outras memórias são contadas aos meninos, provavelmente seus alunos ou ex-alunos, mas o que as conecta são palavras como: surpresa, desafio, indagações, inquietações, instigações.
Aqui na Universidade Livre, temos essas palavras como combustível para o nosso projeto de Educação.
Esse vídeo ilustra, no meu ponto de vista, não apenas as diretrizes do educador nato, mas principalmente a importância da troca entre as gerações.
Vale dizer que, independente do método que a professora utilizou e utiliza em suas práticas pedagógicas, a motivação que ela confessa é o desejo de ajudar a construir um mundo melhor e a esperança e a crença nas crianças.
O idoso, o velho – como quer que o chamemos – que viveu uma vida plena de sentido, tem muito a contribuir em novos projetos. Sua presença, suas memórias suas experiências são de vital importância para novas gerações.
Num mundo de desesperança e desencanto com as políticas públicas, poder compreender que educar nasce de uma motivação interior e de uma confiança no outro é revigorante e inspirador.
Cláudia Mota