A filosofa da política, Hannah Arendt, escreveu A crise na educação em 1957, e a principal ideia desse texto é o conceito de amor mundi. Para ela, o educador é o mediador entre o mundo que já existe e a nova geração que acabou de chegar a esse mundo. Cabe a ele, a delicada e imprescindível função de entregar aos recém chegados a ponta do fio que liga todas as gerações que vieram antes (tradição), e ao mesmo tempo estimular a inovação, para que esse fio avance e seja passado para os filhos e netos dos que estão vivendo o hoje.
O que se dá em nossos dias? A maior parte de informações é transmitida por imagens. Somos bombardeados por imagens alimentadas por máquinas fotográficas em telefones móveis sincronizados a redes sociais virtuais, que servem de registro jornalístico de nossas mais banais e mais sublimes experiências individuais. Mas a leitura da imagem é inevitavelmente superficial. Não temos filtros suficientes quando produzimos uma imagem ou quando passamos tempo demais hipnotizados rolando nossa timeline no facebook. Noutros tempos, a imagem era analisada por seus símbolos e significados, declarados e obscuros, possibilitando leituras em muitos níveis, pedindo nossa participação, nosso tempo, nossa curiosidade investigativa.
A imagem abaixo onde vemos jovens entretidos em seus mundos particulares enquanto dão as costas (e são assombrados) pelo quadro A Ronda Noturna de Rembrandt, gerou polêmica por mostrar o desinteresse das novas gerações pela cultura, antecipando um futuro apático e medíocre.
Este quadro de grandes dimensões foi feito por encomenda e originalmente tinha outro nome – A Companhia de Frans Banning Cocq e Willem von Ruytenburch. A tela original foi cortada para caber numa sala menor anos depois. O verniz escurecido pela ação do tempo criou uma atmosfera noturna (o que explica no nome atual) embora originalmente a cena fosse à luz do dia. Além disso, o cineasta Peter Greenaway dirigiu um filme sobre o momento em que o quadro foi pintado, defendendo a tese de que Rembrandt colocou ali elementos que desmascaravam as duas principais figuras da imagem (Frans Banning Cocq e Willem von Ruytenburch que encomendaram o quadro), apontando a filha ilegítima de um e o assassinato cometido pelo outro. Na pesquisa de Greenway esse quadro explica a posterior decadência de Rembrandt, mais pela perseguição política do que pelo seu estilo clássico que estava saindo de moda.
Todas as informações acima foram coletadas usando o mesmo telefone móvel sincronizado a redes sociais virtuais. Não é a ferramenta que deve ser responsabilizada pelo seu uso. Nem os jovens que dela fazem uso, já que sua curiosidade investigativa não foi estimulada.
Assim como essa diferença de escala entre o mundo interior e o mundo exterior, essa relação entre a rede social e o acesso ao conhecimento possibilitam saltos, mas dependem de uma mediação que os estimule. A Pedagogia Espírita olha para o mundo e para a busca dessa mediação e pergunta: Como imaginamos que deve ser a educação perante a eternidade? A escola? A família? As relações sociais?
A ideia de amor mundi chama todos nós, seres humanos, à responsabilidade, nos lembrando que somos protagonistas da construção da sociedade e não vítimas dela. A Pedagogia Espírita amplia ainda mais esse conceito, porque se hoje somos responsáveis por passar a ponta do fio da tradição que herdamos das gerações passadas, e, através da nossa criatividade, inovar e reconstruir essa tradição para legá-la a próxima geração, sabemos que nós estivemos aqui, encarnados em muitos momentos diferentes, e que se estamos aqui agora pegando a ponta desse fio, fomos nós mesmos que puxamos esse mesmo fio até aqui. Somos, portanto, herdeiros de nós mesmo, responsáveis pelo nosso próprio caminho, e por isso mesmo, livres.
Maurício Zanolini
Hannah Arendt é fascinante. Juntá-la com arte e a pedagogia espírita foi de mestre!
CurtirCurtir