Uma criança de 5 anos desenha três círculos num papel. Os círculos são uma representação das cabeças das crianças que estavam juntas no momento em que um comentário foi feito por algém. A intenção do desenho é explicar por que apenas uma delas teve uma ideia depois de ouvir o tal comentário, enquanto as outras não pensaram em nada. Ela justifica dizendo que mesmo que todas as crianças tenham ouvido o comentário, apenas uma delas estava “realmente ouvindo”, e por isso ela foi afetada pelas palavras e por consequência, teve uma ideia.
Outras crianças explicam que ideias saem da cabeça de uma pessoa através de palavras e vão ricocheteando nas paredes e no teto até pararem em algum lugar. Se esse lugar é a cabeça de outra criança, ela então tem uma ideia. Alise Shafer Ivery que é fundadora e da Escola Comunitária Evergreen na Califórnia, faz pesquisas com crianças não apenas para entender como elas pensam, mas também para nos mostrar que o pensamento delas inspira diálogo e criatividade nos adultos.
Segundo Alise, a metacognição (pensar sobre nossos processos mentais), é uma capacidade exclusivamente humana. As metáforas que as crianças usam para falar sobre esses processos são livres de ideias pré-concebidas e certezas cristalizadas por isso mostram com profundidade aquilo que escapa aos adultos.
A pesquisadora usa o exemplo da uma menina que pegava borboletas para nos explicar como a metacognição pode nos ajudar a aprimorar nossas habilidades e interações com o mundo. Começamos com alguma habilidade inata, que no caso da menina era uma forma intuitiva de pegar borboletas. Em seguida vem a tomada de consciência daquilo que é inato. A menina tem que explicar como ela faz para pegar a borboleta, e ao fazer isso ela pensa sobre sua ação, investiga sua estratégia, revê seus movimentos. Isso leva ao próximo passo que é o refinamento dessa habilidade através de uma processo ativo de reflexão e ação.
Essa capacidade de perceber as próprias capacidades, investigá-las e refiná-las é a essência do processo educativo. Nós, seres humanos somos os únicos capazes de trilhar esse percurso, e portanto os sistemas educacionais deveriam privilegiar o desenvolvimento dessa habilidade antes de dar pesos diferentes a diferentes áreas do conhecimento. Educação não é conteúdo. Educação é se relacionar consigo e com o mundo.
Como no primeiro exemplo desse texto, as ideias precisam ser ouvidas para penetrarem em nossas cabeças e de lá fazerem surgir novas ideias. As crianças são como os grandes gênios que desafiaram o pensamento convencional, sem medo de errar ou de não serem capazes de encontrar respostas para o incrível mundo que as cerca. Elas realmente ouvem. Nós adultos é que paramos de ouvir e nos fechamos para o que elas tem a nos dizer.
Mauricio Zanolini
Perfeito, Maurício, muito bom. Só queria lembrar que os sitemas educacionais existem para perpetuar a divisão de classes e não para acabar com ela. Pessoas reflexivas aceitariam esta escravidão legalizada em que vivemos?
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Oi Cláudia! O contexto no qual vivemos é a soma de pequenos contextos que vem sendo construídos a muito tempo. O machismo, por exemplo, embora seja hoje reconhecido e criticado, nem era objeto de reflexão em um passado recente. E ele sempre foi alimentado (e ainda o é) por ações pequenas, cotidianas, entre pessoas. Mesma coisa com a luta de classes. Essa relação de opressor X oprimido acontece dentro de cada indivíduo e nas relações próximas de pais e filhos, professores e alunos, patrões empregados. Os sistemas educacionais apenas refletem a sociedade e as disputas de poder que constituem as relações entre as pessoas. A metacognição é uma forma de auto-consciência, e por isso ela ajuda a identificar nossos papeis de opresso e de oprimido em diferentes relações e contextos. É pelo caminho da consciêntização que os sistemas de ensino vão deixar de ser um reflexo (reativos) e passarão a ser uma reflexão (propositivos).
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