Este é um tema que interessa a muitos pais e educadores. A criança de antes, sempre doce e obediente, agora, chora, grita e se joga no chão, contrariando os adultos. Na verdade, quantas vezes a criança chora sem razão aparente, sem possibilidade de consolo? Na alma do pequenino, há profundos segredos, ainda desconhecidos do adulto que vive ao seu lado.
Para acalentar estes corações recorro à grande médica e educadora do século XX, Maria Montessori, pois ela já refletia a respeitos dos caprichos infantis. Segundo Montessori, a criança passa por períodos sensíveis onde todo o seu ser está em estado latente de aprendizado e comunica-se através seu corpo, explorando todo o ambiente. Neste sentido, está a importância de um ambiente adequado e devidamente pensando às necessidades infantis. Ela deixa bem claro que não é a criança quem deve se adaptar aos hábitos do mundo adulto, mas sim, o contrário. Os educadores devem ter um olhar atento e sensível para identificar as fases do desenvolvimento infantil e o pedido de socorro da criança, que está por trás das birras, e fazer de tudo para ajudá-la a evoluir integralmente e feliz.
Para Montessori, se o ambiente não é adequado e a criança se encontra no meio dos adultos, estas manifestações tão interessantes, que se desenvolvem pacificamente, podem converter-se em angústia, enigma e capricho.
Posso relatar alguns exemplos comuns e corriqueiros, em que podemos diagnosticar este conflito entre o mundo adulto e o universo infantil. Um período sensível muito importante para as crianças é o desenvolvimento motor e o uso das mãos. Nesta fase que compreende entre 1 e 3 anos, a crianças explora o mundo através das mãos, mas o homem tem medo daquelas mãos pequenas estendidas para os objetos sem valor e sem importância que os cercam e toma a defesa deles contra a criança. Cansa-as de repetir-lhe “Não mexa!”, “Não toque!”, “Não pode!”. E a criança, sem compreender e nem conseguir inibir os seus instintos motores naturais, irrita-se e inicia a birra.
Certa vez, observei um dos meus alunos levando, pacientemente, o lápis de um canto para o outro da sala, um por vez, durante esta atividade, criada por ele mesmo, mostrou-se atento e muito concentrado. Na tentativa de ajudá-lo, para ele não se cansar em dar tantas viagens eu juntei todos os lápis em um monte e entreguei para ele, a criança mostrou-se nervosa e insatisfeita com minha ação. Os conceitos e valores entre os adultos e as crianças são diferentes, elas ainda não se contaminaram com a preguiça e a praticidade, elas vêem e sentem prazer em desenvolver o seu trabalho. Neste caso, ajudá-la seria deixar que ela concluísse tranquilamente sua atividade.
Em outro momento, minha filha, ainda com 3 anos, queria pentear seus cabelos sozinha, com os pentes nas mãos ela ia devagarzinho desembaraçando os cabelos, como estava sem tempo, tinha que ir para o trabalho, tomei o pente de sua mão e penteei rapidamente seus cabelos. Ela frustrada, foi chorando de casa até a escola. O que nos faz surdos aos apelos infantis? Se eu a deixasse arrumar os próprios cabelos, o penteado não sairia perfeito como o feito por um adulto e exigiria um pouco mais de tempo e paciência, elementos estes escassos hoje em dia. Então qual seria a medida certa? Como encontrar tempo para as crianças nesta rotina contemporânea?
E novamente lanço-me de Montessori na tentativa de responder, com trechos retirados de seu livro A Criança:
“A criança tende a obedecer ao adulto de alma e coração. Mas se ele lhe pede que renuncie em seu favor ao comando motor que impulsiona a criatura de acordo com normas e leis inalteráveis, já a criança não pode obedecer. Seria o mesmo que pretender que se interrompesse o nascer dos dentes no período da dentição. Os caprichos e desobediências infantis não são mais que um aspecto de um conflito vital entre o impulso criador e o amor pelo adulto – que não a compreende. Quando, em vez da esperada obediência, surgir um capricho, o adulto deverá pensar sempre neste conflito e nele reconhecer a defesa de um gesto vital necessário ao desenvolvimento infantil.”
E nos momentos de cansaço e extrema fadiga, na educação de suas crianças, lembrem-se:
“O pequenino que vos ama vai crescer e desaparecerá. Quem como ele vos amará? Quem vos amará ao deitar-se, pedindo com afeto: “Fica aqui comigo”, em vez de dizer com indiferença: “Boa noite”? Quem desejará tão ardentemente estar junto de nós enquanto comemos, apenas para nos olhar? Nós nos defendemos desse amor – e nunca mais encontraremos outro igual! – e dizemos inquietos: “Não tenho tempo, não posso, tenho o que fazer!”, mas no fundo pensamos: “As crianças precisam ser corrigidas, ou acabaremos por ser seus escravos”. Queremos libertarmo-nos delas para fazer o que nos apraz, não renunciando às nossas comodidades.”
Então, vamos aproveitar esta oportunidade, advinda do Criador, para treinarmos a paciência, a tolerância e o amor incondicional. Vamos valorizar a criança em todas suas manifestações e respeitá-la, porque elas tem sede de aprender e de nos dar sem reserva o seu amor. Sejamos exemplos!
Jamile Tupinambá
Então, Jamile, é preciso que reencontremos tempo para reelaborarmos a nossa cultura pessoal ou, em outras palavras, responsabilizarmos pelo que fizemos com aquilo que fizeram de nós, aprender a desaprender, como dizia José Pacheco. A questão é de prioridade e/ou foco no que é relevante, já que o dia só tem 24 horas; ainda bem, pois ajuda-nos a manter o foco…
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Muito bom!
Realmente, este olhar sobre a oportunidade de amadurecermos e amarmos sem egoísmo, oportunidade esta que nos é dada ao sermos responsáveis pela orientação de outra criatura, nos faz repensar nossa prática massificada da ‘pós-modernidade’. Vamos reencontrar o Amor a cada dia, nos pequenos grandes detalhes…
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Fantástico e maravilhoso!!!
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Muito bom . A educação precisa de profissionais assim como você, que preocupa-se com a educação , desenvolvimento e particularidade de cada criança. Feliz em estar aprendendo diariamente com você. Sucesso!!!
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