O título parece uma metáfora para falar de empatia, mas na verdade é uma máquina real, que usa tecnologia, narrativa em primeira pessoa e alguns truques de percepção sensorial para nos fazer viver na pele de outra pessoa. O coletivo espanhol Be Another Lab desenvolveu essa experiência, pensada como um jogo virtual, mas que conta uma história real.
Originalmente a experiência consiste em colocar duas pessoas frente a frente separadas por uma cortina. As pessoas não podem se ver ou interagir entre si, mas as duas estão conectadas a óculos com câmeras e uma vê a imagem produzida pela outra. Alguns truques como o uso de espelhos e assistentes provocando sensações táteis simultâneas nos dois participantes fazem o cérebro se envolver profundamente na experiência e acreditar na “troca de corpos”. O vídeo abaixo mostra esse processo em detalhes:
Indo além da “troca de corpos”, o grupo criou diferentes experiências para contextos variados, incluindo resolução de conflitos, empatia, reabilitação física, arte e pesquisa neurocientífica. Para eles, a tecnologia é um meio de criar relações mais profundas entre as pessoas, e não de estimular o isolamento social, como muitas vezes parece ser o caso . Outra diretriz do grupo é usar tecnologias digitais de baixo orçamento que podem ser reproduzidas, recriadas e documentadas por outras pessoas, para que a experiência não fique limitada, por isso direitos autorais do projeto são abertos (creative commons).
Neste ano, na quinta edição da FLUPP (Festa Literária das Periferias), que aconteceu na Cidade de Deus, zona oeste do Rio de Janeiro, o coletivo de Barcelona trouxe a Máquina de Ser Outro para o Brasil. Durante o evento, além da experiência original da troca de corpos, o grupo fez gravações com parentes de jovens negros que foram assassinados. Numa dessas gravações, por exemplo, a mãe de um desses jovens fala das lembranças do filho que já não está mais lá. Colocando os óculos os visitantes se vêem no corpo dessa mãe, dentro da sua própria casa, onde as memórias estão por toda parte. Alguns objetos que a mãe segura são entregues por assistentes para que as pessoas que usam o óculos possam estimular outros sentidos para amplificar a sensação de que estão de fato na pela de outra pessoa. No final da experiência que dura aproximadamente 15 minutos, o visitante tira os óculos e se vê na presença daquela mãe. O impacto é muito forte.
Seja através de jogos de interpretação, literatura, cinema, quadrinhos, brincadeiras de faz de conta, nós humanos sempre buscamos compreender o ponto de vista das outras pessoas. Como elas pensam, como elas administram as coisas boas e ruins que acontecem na vida delas. Nosso processo de aprendizagem é construído pela observação e pela imitação. Nossa individualidade é formada a partir da nossa observação e do olhar do outro sobre nós. O coletivo Be Another Lab acredita que a compreensão do eu está relacionada com a compreensão do outro, e sob esta perspectiva, eles oferecem ao indivíduo a possibilidade de incorporar as experiências subjetivas do outro. Ser o Outro amplia a percepção de que fazemos parte de um sistema muito maior chamado humanidade.
Mauricio Zanolini