A pobre relação aluno-professor nas faculdades

Fui chamado por um professor de uma universidade em que não dou aula, para ajudar um grupo que desenvolveu um produto inédito para seu TCC – Trabalho de Conclusão de Curso. Eles tinham a ideia e o projeto técnico do produto bem desenhado e definido, contudo faltava-lhes o caminho das pedras para transformar aquele projeto em oportunidade de negócio. Minha ajuda seria nessa área.

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Devo dizer que aceitei o convite com certo desconforto, afinal uma universidade de porte tem nos quadros professores capazes para esse tipo de orientação; minha participação poderia criar alguma situação difícil entre mim e outros professores. Conheci os alunos donos do projeto, os professores orientadores que, como eu, estavam entusiasmados e queriam ver o projeto prosperar.

Os alunos finalizam esse semestre o curso de engenharia mecânica e não possuem nada ligado à área de administração de relevante ao longo dos dez semestres que passam por lá, por isso a necessidade de ajuda para o desenvolvimento de um plano de negócios.

Conversamos, ordenamos alguns passos e devemos nos falar após o fim das aulas.

Ao voltar para casa, estava feliz por ter me incluído no projeto, mas continuava desconfortável com a situação dos alunos não conseguirem a ajuda que precisam, dentro da própria universidade. Só relaxei ao chegar em casa e ver uma postagem de uma amiga professora, em uma rede social precedida do emoji “Sentindo-se Exausta” e tudo fez sentido:

“Quatro TCCs, 360 provas, 15 trabalhos interdisciplinares, uns tantos exercícios em sala, 19 semanas letivas, cinco capítulos de livro, cinco artigos, quatro projetos de Iniciação Científica, dois eventos e um sem fim de noites sem dormir, com a cabeça pensando por ela mesma, mesmo sem eu querer. Semestre longuíssimo. E tem gente que diz que professor não trabalha, só dá aula.”

Essa amiga, como muitos professores, precisa ser ativa na área acadêmica: publicações e congressos valem pontos na avaliação do professor e refletem diretamente em seus planos de carreira (leia-se salário). Outro ponto estressante, não mencionado por ela, é o trabalho burocrático do diário de classe e notas, administrado pelos próprios professores.

Além disso, poucos professores tem regime de dedicação exclusiva, contratação de 20 ou 40 horas semanais; a maioria é horista, vive de semestre em semestre esperando as surpresas das grades disponíveis, podem em um semestre ter 32/40 horas-aula e no seguinte 16 horas-aula, com o salário variando 100% conforme as aulas assumidas, sem garantia de um mínimo; desse modo, muitos deles precisam dar aulas em mais de duas universidades para garantir uma remuneração razoável e diminuir os riscos das grandes flutuações de salários na sucessão dos semestres. Isso toma mais tempo do professor, seja com deslocamento, seja com preparação de aulas, seja com provas, etc.

Todo professor estaria vibrando com os alunos que estou ajudando, mesmo aqueles que não fossem professores diretos deles, porém pelo exposto acima praticamente nenhum professor teria tempo e cabeça suficiente para se dedicar ao projeto.

A disponibilidade, o acesso e a atenção dos professores aos alunos, pelo sistema imposto, restringem-se muito frente ao que seria ideal, muitos só tem condições de contato  durante as aulas. A tão propagada excelência acadêmica na maioria das vezes é apenas um slogan, pois o ato educacional pressupõe o relacionamento professor-aluno, de tal forma que haja tempo e confiança para que o vínculo criado dê espaço à criatividade, à ação empreendedora e assim por diante.

Alexandre Mota

 

2 respostas para ‘A pobre relação aluno-professor nas faculdades

  1. Educação em massa no sistema capitalista desemboca nesse caos, em que professores fazem de conta que são mestres e alunos fazem de conta que aprendem.Na realidade, educar não é a ênfase, e sim criar robôs que lubrifiquem o lucro.Não há saída!

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  2. Concordo em gênero, grau e número. Tenho percebido que essa profissão tornou-se ao longo dos tempos prostituída, com contratos de trabalho cada vez mais estúpidos e indecentes. Obviamente essa realidade reflete profundamente no distanciamento entre o professor x aluno fazendo da educação um mero produto mercadológico de baixa qualidade.

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