Pluralismo e liberdade na Educação

Three diverse apples: red, green and blue

 

Preocupados com essa polarização dicotômica e empobrecedora que se instala em nosso país, queremos aqui esclarecer alguns princípios que a Universidade Livre Pampédia assume, trabalha e divulga.

Em nosso ideário, está escrito, no início de tudo, que pretendemos:

“Democratizar o conhecimento, sem banalizá-lo; buscar a verdade, sem dogmatismo; manter a abertura, sem relativismo”

Aí já está uma postura epistemológica (para quem não sabe, esse palavrão se refere à teoria do conhecimento) que não se perde no relativismo cético – esse relativismo que nega qualquer possibilidade de verdade e objetividade – mas também não se engaiola num dogmatismo rígido, que leva à intolerância e ao fanatismo.

As verdades são verdades sim, mas têm a sua dose de relatividade. O conhecimento tem que ser aberto sim, mas não pode abdicar de ser um conhecimento com serventia para o ser humano e comprometido com a objetividade possível. Lembrando-nos sempre (e sei disso como jornalista) que a objetividade completa é algo inalcançável, pois somos seres humanos, pensantes, que sentem, têm interesses, têm vieses ideológicos. Já nos avisaram alguns filósofos da ciência, como Thomas Kuhn, que os próprios paradigmas científicos partilhados por toda uma comunidade de sábios, estão sujeitos às perspectivas de suas visões de mundo, de seus interesses individuais ou corporativos.

Entretanto, existem campos do conhecimento que não são passíveis de concretude, precisão matemática ou evidência empírica. Vastos campos do saber humano são ideias, intuições, argumentações, clarões, belezas… as artes, a religião, a filosofia são áreas de construções teóricas, de apreensões espirituais, de interpretações da realidade. Nesses campos, a subjetividade é mais que bem-vinda. Embora a razão que analisa e argumenta não deva ser afastada, mas pode ser sempre transcendida e complementada.

Então é que se apresenta a necessidade da abordagem plural – que é uma das buscas de nosso ideário:

“Promover o pluralismo, conservando-se a própria identidade; dar voz a todas as vozes, sem favorecer a inconsistência; incentivar o debate, sem o confronto.”

O que significa isso? Que para termos uma visão de mundo aberta, com capacidade crítica, com criatividade, com abordagem transformadora, não podemos beber simplesmente de fontes meramente objetivas, desconhecendo a imensa riqueza de construções teóricas, de apreensões espirituais, de elaborações estéticas que a humanidade produziu ao longo da história.

Tudo isso vem a propósito por causa de uma ameaça terrível que paira sobre nossa educação: um movimento chamado Escola sem Partido está propondo uma série de leis no Congresso federal, nos Estados e nos Municípios, com o intento de cercear a liberdade de ensino e de expressão dos professores. Segundo os partidários desse movimento, temos uma doutrinação marxista na escola e os professores devem se abster de falar de política e de doutrinar os alunos – já que os alunos ficariam, segundo eles, numa posição de vulnerabilidade. Para alguns desses ideólogos da ausência de ideologia na educação, é preciso que os professores ensinem português, matemática e ponto.

Além do evidente e lamentável desejo de censura, cerceamento de liberdade de expressão e patrulhamento ideológico que essas leis pretendem impor (se forem aprovadas e estão tramitando em alguns Estados e municípios), com o que se abrirá a possibilidade absurda de alunos delatando professores, há alguns equívocos profundos em toda essa discussão. Quais são eles?

Em primeiro lugar, não existe educação sem influência de ideias, não existe relação humana, sem que se passem visões de mundo, sem que se contagie o outro com nossas interpretações da realidade. Precisaríamos ser robôs para que não houvesse intercâmbio e influência. Então, neutralidade em educação é tão inexistente como neutralidade jornalística. E a própria Escola sem Partido não é neutra, ela é de extrema direita e está pretendendo estabelecer um policiamento ideológico na educação.

Segundo lugar, o educando não é esse ser amorfo, manipulável, vulnerável, que a Escola sem Partido descreve. O educando é um ser pensante e a educação tem que estimulá-lo a pensar mais e melhor e não a se tornar um tecnocrata especializado em números e regras gramaticais. E hoje, com o nível de informação de que dispomos todos, inclusive os alunos, cada vez mais difícil encontrarmos um estudante isolado de qualquer informação.

Mas a questão a se propor é a seguinte: ocorre doutrinação na escola? Sim, ocorre! Mas de todos os lados: há marxistas dogmáticos que doutrinam, há evangélicos fanáticos que doutrinam, há homofóbicos que doutrinam e há partidários do movimento LGBTs que doutrinam.

Eu mesma já fui vítima dos guetos ideológicos que existem nas Universidades públicas, por exemplo. Em grupos marxistas, pós-modernos, piagetianos, vigostskianos, e outros – só se entra com adesão submissa à ideologia do grupo, que às vezes é do departamento todo, e até da Faculdade em questão. Aqui estou me referindo ao campo da Educação. Em outras áreas de humanas, acontece o mesmo.

Então o que fazer? É justamente o que estamos propondo na Universidade Livre Pampédia: adotar a liberdade, o pluralismo e promover a autonomia de pensamento do aluno. A criança, o adolescente, o jovem e o adulto têm o direito de conhecer todas as abordagens da realidade, todas as tendências filosóficas, todas as interpretações históricas, todas as correntes religiosas e mesmo as controvérsias da ciência, em sua relativa objetividade. O professor seja de direita, seja de esquerda, seja espírita, protestante, católico ou ateu, tem o dever de ser íntegro, proporcionar a discussão de ideias e, embora possa e até deva se posicionar, evitar o constrangimento e a imposição do que pensa. Mas a única garantia que temos de que o aluno possa ser exposto a uma multiplicidade de ideias é manter a escola aberta e livre.

A nossa proposta na Universidade Livre Pampédia é formar pessoas que saibam fazer isso. Que não sejam violentamente dogmáticas em seus pontos de vista, que não sejam acidamente céticas, destruindo toda e qualquer possibilidade de verdade.

Integridade, respeito, diálogo aberto é o que se deve invocar na educação. Aí portanto, entram elementos éticos, que é o do respeito ao outro, o da honestidade intelectual e o da humildade de aprender sempre.

Eu mesma sou espírita e convivi muitas vezes com professores católicos, madres, padres e leigos profundamente comprometidos com a Igreja e sempre fui respeitada e aprendi muito com eles. Eu mesma sou de esquerda (anarquista!) e tive professores de direita (mas de uma direita educada, pensante, e não cheia de ódio), com os quais também aprendi muito. Eu mesma não sou marxista e tive inúmeros professores marxistas com quem aprendi também muitíssimo e considero a crítica marxista ao sistema capitalista a mais precisa e ainda atual.

Assim, a liberdade é a nossa única garantia de bem pensar. Argumentar é a única maneira de convencer. Proibir, censurar, patrulhar é próprio de quem não tem argumentos.

4 respostas para ‘Pluralismo e liberdade na Educação

  1. Preciso! Esta questão das escolas (maniu)puladas pela ideologia do status quo estabelecido é constante nas escolas públicas através do viés político partidário. As nomeações comprometidas de diretores que têm a obrigação de reproduzir a ideologia do gestor local, seja ele municipal, estadual ou federal, “não é neutra, ela é de extrema direita e está pretendendo estabelecer um policiamento ideológico na educação” (Incontri, 2016).

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  2. Gostei! tudo que é proibido acaba sendo feito por debaixo dos panos. tudo que é feito por debaixo dos panos é hipocrisia e gera corrupção.

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