“A liberdade é o maior dos valores humanos. Mas, antes de tudo é um destino. Seres livres, já que são livres, podem abraçar esse destino ou tentar escapar dele, torná-lo sua vocação ou lutar contra ele: essa é também a capacidade a que devem sua liberdade. Se a liberdade é um valor, ela é também um valor extremamente ambíguo. Ao mesmo tempo atrai e repele.”
Essa reflexão muito bem posta está no livro Baumam sobre Bauman, onde o autor entrevistado faz considerações sobre suas obras e esclarece conceitos que costuma usar.
Sartre dizia que somos condenados à liberdade e Erich Fromm, no seu melhor livro, e um dos melhores livros que li na vida, Medo à liberdade, explica por que muitas vezes o ser humano tem medo de ser livre e procura se submeter a relações de poder, seja em simples relacionamentos afetivos, seja em sistemas políticos totalitários, seja em instituições religiosas repressivas. Para Fromm, o desejo de unidade, de pertencimento a algo superior a si mesmo, o desejo de fusão, o abdicar da responsabilidade da escolha são traços psicológicos do ser humano que se nega a amadurecer, que sonha nostálgico em estar de novo no ventre materno ou no seio do clã, do qual era parte. Amadurecer, crescer é para Fromm um processo de individuação, que muitas vezes causa angústia, solidão, medo. Então recua-se individualmente ou coletivamente, procurando-se refúgios em relacionamentos sado-masoquistas ou em ideologias ou sistemas totalizadores.
Para Bauman, que pensa quase o mesmo que Fromm, o ser humano muitas vezes renuncia à liberdade por causa da segurança. Prefere viver mais seguro e menos livre. Já que a liberdade sempre envolve riscos. Mas ainda renunciar à liberdade é um ato de liberdade. Será? Ou será uma negação daquilo que é mais essencialmente humano? Ou ainda será um infantilismo psíquico de quem não quer se assumir como um adulto livre e pensante, autor do próprio destino?
Tanto Fromm quanto Bauman apontam a sociedade de consumo como um lugar de falsa liberdade: onde somos obrigados a escolher o tempo todo as coisas que devemos consumir, com a ilusão de que somos os mais livres de todos os tempos. A sociedade de consumo cria necessidades desnecessárias, nos dá crédito para comprá-las e para nos endividarmos e mantermos a circulação de bens de consumo e de dinheiro, alimentando a riqueza dos bancos. Obriga-nos a um trabalho apressado, estafante, opressor, para garantirmos essa ampla liberdade de escolha do que temos de consumir. Em suma, a sociedade de consumo nos dá a ilusão da liberdade num mundo em que somos escravos que se julgam felizes, porque inconscientes da própria escravidão.
Isso está longe de ser uma metáfora quando pensamos no Karoshi, um tipo de morte já comum no Japão, que é a morte por excesso de trabalho. Ou quando lemos numa reportagem que a empresa francesa Orange, com mais de 150 mil funcionários, teve entre 2008 e 2009, 35 empregados que se suicidaram, por pressão no trabalho. Ou quando sabemos dos operários de fábricas chinesas que dormem no trabalho e voltam para casa uma vez ao mês para verem os filhos…
Menos drásticos, mas que revelam no fundo a mesma escravidão, são os empregos corporativos, ao nosso alcance, na aparência tão atraentes, mas nos quais o jovem funcionário deve estar disponível 24 horas, sem receber hora extra, disposto a qualquer viagem, a responder qualquer chamada, a trabalhar até qualquer horário, a fazer a função de mais um, dois ou três, que saíram de férias ou foram demitidos…ou seja sem direito a ter vida familiar, pessoal, com venda do seu tempo de forma integral, sem poder de resistência ou escolha.
Onde poderíamos atuar para que o ser humano gostasse de ser livre com mais afinco? Tivesse mais empenho em manter sua liberdade e mais crítica aos que querem escravizá-lo, sejam governos, igrejas, corporações? Como poderíamos garantir que o ser humano não aceitasse renegar a sua condição essencial, de ser livre?
Não vejo outro lugar para se promover isso com maior eficácia a não ser na educação. Não é à toa que Erich Fromm, autor de O medo à liberdade, fez o prefácio do livro Summerhill, liberdade sem medo, de Alexander Neill, obra que retrata uma das mais célebres e ainda existentes escolas livres do mundo.
A questão de uma educação livre, no entanto, não é tão facilmente compreendida pelas pessoas, sobretudo porque quase ninguém no mundo teve ou viu uma experiência dessas. A maioria foi condicionada à obediência na Educação. E muita gente acha que educar com liberdade e para a liberdade significa um abandono da função educativa. Mas não é assim. Nem mesmo para Neill era assim, nem para os mais radicais anarquistas.
Educar é sempre um ato de relação e na relação, temos sempre o único condicionante de nossa liberdade: o outro. Entre educador e educando, portanto, que vivem uma educação livre, o educador exerce o seu papel de influenciar com aquilo que ele tem por missão oferecer de si mesmo de melhor e o educando exerce o seu papel de se fazer a si mesmo, aceitando ou não as influências de seus educadores. E educador e educando se relacionam pelo afeto e pelo respeito mútuo e não pelo poder instituído e pela obediência (como ocorre na educação tradicional). E ao mesmo tempo que o educador tem um ensinar pensado e o educando tem uma aprendizagem livre, o educador também aprende e o educando também ensina. Dessa troca rica e desierarquizada, profunda e marcante, brota a possibilidade de termos seres humanos que gostem mais da liberdade e não a vendam por preço nenhum.
Muitos costumam alegar que só aceitam a liberdade com responsabilidade – um chavão para servir de desculpa e não deixar ninguém ser livre. Mas a frase lapidar do filósofo José Herculano Pires responde: “a responsabilidade é uma planta melindrosa que só nasce no clima da liberdade”. Exatamente isso que uma educação livre propõe: que as futuras gerações aprendam a assumir suas responsabilidades, exercendo suas escolhas possíveis, desde cedo. E desenvolvam o gosto de serem livres e não considerem pesado o fardo de serem responsáveis pelos próprios atos.
A Universidade Livre Pampédia é livre justamente porque quer proporcionar a discussão de tais ideias, muitas vezes marginalizadas nas Universidades convencionais, nada livres, e porque quer permitir experiências pedagógicas mais livres, em que adultos possam sentir o sopro refrescante da liberdade de pensar e passem a atuar por uma educação mais livre em todos os níveis.
A nossa liberdade é condicionada à nascença e ao longo do tempo que nos leva ao estado adulto. A socialização de casa um de nós não nos dá muito espaço a que sejamos livres, por uma questão de segurança e de sobrevivencia as pessoas preferem, porque assim foram educadas, a cumprir regras, a ter comportamentos adequados numa sociedade paternalista. A liberdade adquire-se com educação. Quando mais educado mais o individuo será livre para tomar decisões mas obviamente sempre obedecendo a regras, a normativas preparado com as quais muitas vezes não concorda. Onde entra aqui a sua liberdade? Deus deu-nos o livre arbítrio, mas estaremos já preparados / educados para exercer de uma forma livre essa natural liberdade?
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Se Deus nos deu a liberdade, quem somos nós para tirá-la uns dos outros? A liberdade se aprende a usá-la, sendo livre e não em regime de obediência. Quem apenas obedece, não sabe ser livre!
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É verdade mas para exercer a liberdade de uma forma livre, é necessário educação, conhecer os limites. A minha liberdade termina no ponto onde começa a do nosso próximo. A nossa evolução passa precisamente por uma educação para sabermos ajustar a nossa liberdade a à do nosso próximo. Não vivemos sozinhos. Não é tão simples este tema.
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Muito complexa essas reflexões, parece algo simples, mas não é. Tenho dois filhos, Agnes com 5 e João com 2 anos. Liberdade para Agnes é fazer tudo o que nós(adultos) fazemos desde cozinhar a tomar decisões sobre algo importante, e a crise se instala quando não permitimos essa total liberdade, pela condição etária. Falamos para Agnes q isso ou aquilo é coisa de adulto, ela ignora e continua fazendo, eu falo: – Você tem que aprender a obedecer! Ela ignora, solenemente, e continua fazendo, só depois de muita conversa, choros e frustração ela sai contrariada. Percebo, como pai, que tudo que eu apredi sobre obediência, para ela não funciona! E quando eu falo: – você tem q aprender a obedecer, eu sinto, em meu coração, que com a Agnes não é bem assim. Já com o João (2anos), por enquanto, não estamos tendo esse conflito, ele tende naturalmente a obedecer! Esse texto, não me chegou por acaso! Obrigado vocês! Beijos.
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Caro Paulo, acho que seria bastante interessante, você participar de nossos encontros on-line EDUCAR HOJE, onde vamos trocar ideias entre pais, educadores, psicopedagoga, psicóloga, sobre essas questões que afligem as famílias e os professores contemporâneos. Dê uma olhada no link:
http://www.universidadelivrepampedia.com/#!educar-hoje/cuwi
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Obrigado, querida irmã, vi o programa de estudos/debates é show!!! Vou participar sim. Uma excelente oportunidade e um tema tão urgente e oportuno para nossos dias.
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