“De que me adianta você me dar todas as respostas se eu não te fiz nenhuma pergunta?” Esse trecho do livro O mundo de Sofia também serve como uma analogia ao que ocorre com a educação moderna escolar e de massas que conhecemos nos nossos tempos. Olhando para as contribuições mais contemporâneas do campo de Psicologia e Educação, desde as teorias de Piaget, até a Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento, herdeiras deste, e mesmo passando pelas correntes psicológicas que reconhecem o inconsciente, percebe-se como um fato evidente que o “conteúdo” transmitido pelo professor não é automaticamente entendido pelo aluno. Ensinar não é o mesmo que aprender.
Desse terreno partiram as mesas de debate e as rodas de conversa da 2ª edição da Conferência Nacional de Alternativas para uma Nova Educação (CONANE), que ocorreu entre os dias 5 a 7 de Setembro de 2015 no CEU Heliópolis Profª Arlete Persoli, em São Paulo. Diferentes desenhos curriculares e institucionais foram propostos como alternativas para uma nova educação, mas ficou claro que são muitos os princípios centrais comuns entre as propostas apresentadas: valorização do educando como sujeito ativo no processo de educação, vivência consciente da afetividade na educação, liberdade dos educandos, prática democrática nas escolas e explicitação da dimensão política do ato educativo para os educadores seriam os principais deles.
Entre os diversos assuntos e projetos expostos, sublinhamos, a fim de destacar a diversidade do evento: rodas de conversa sobre educação anarquista; sobre educação e marxismo; escolas particulares inovadoras; escolas públicas inovadoras, ora alavancadas por diretores empreendedores, ora por associações comunitárias lutando por direitos, ora apoiadas por fundações empresariais, e, muitas vezes, impulsionadas por mais de um fator desse tipo; ONGs que trabalham no eixo da sustentabilidade; Casas, Universidades e escolas fundadas simplesmente pela associação de interessados, em uma gestão em rede; propostas de desescolarização e educação familiar e, inclusive, uma proposta de educação alternativa para o ensino superior, a Universidade Livre Pampédia, interdisciplinar, plural nas perspectivas filosóficas, inter-religiosa na sua abordagem da espiritualidade.
Em um olhar para dentro das práticas alternativas de educação, vemos currículos flexíveis, baseados na composição de interesses dos educandos com os objetivos dos educadores (afinal, o currículo é pactuado também com a sociedade, através de leis governamentais, projeto político pedagógico da escola, etc); as chamadas “salas de aula sem a parte da frente”, com predominância de grupos de trabalho de alunos e diminuição das aulas expositivas; as propostas de educação infantil pelas famílias – geralmente em cooperativas – através de estimulação indireta, em que não se estabelecem metas fixas de idades para começar a ler, contar, etc; a proposta de assembleias ou outros instrumentos coletivos de deliberação dos alunos.
Para fins de troca de experiência e construção de agendas políticas, existem também a Rede Nacional e a Rede Internacional de Educação Democrática. Essas redes trabalham com a noção de que uma escola democrática é aquela que combina em níveis mínimos a existência de uma instância de deliberação democrática – incluindo os estudantes – como parte da estrutura de gestão administrativa e pedagógica da escola, e a modificação do currículo para privilegiar os interesses dos alunos, baseando-se no princípio que só aprendemos aquilo pelo qual nos interessamos.
Uma visão de mundo anti-capitalista foi um dos tons marcantes do evento. Na mesa de abertura, em uma consideração mais radicalmente de esquerda, o colombiano Erwin Fabián García Lopez, membro da Universidade Nacional da Colômbia, questionou: “a educação alternativa não é um meio de docilizar as pessoas para a sociedade capitalista?” É como se ele perguntasse, retoricamente: A educação não deve gerar a Revolução? Obviamente sua fala foi uma provocação, sendo ele mesmo praticante de desescolarização com seus filhos, em cooperativas.
Mesmo assim, respondo à sua provocação, inspirada em Hanna Arendt, por alguns considerada uma voz conservadora na educação: essa prática humana – a educação – tem um valor maior do que a chegada à uma revolução, e não deve ser esse seu principal objetivo, porque isso seria querer que a nossa geração controlasse totalmente as próximas em sua ação política. A educação é a transmissão do patrimônio cultural das civilizações e a estruturação de capacidades inatas da espécie humana, como se comunicar, viver afetiva e moralmente, se expressar, pensar matematicamente. O que entregamos aos jovens, portanto, é patrimônio, é passado, e deve assim ser, para que eles tenham a oportunidade de criar que pertence à cada nova geração.
Revolução, reforma ou manutenção de estruturas sociais são atribuições de adultos que já podem se responsabilizar e ser responsabilizados por seus atos. As crianças, quando forem adultas, atuarão na sociedade, criarão um futuro que não cabe a nós moldar. Cabe a nós mostrar as visões de mundo e de cosmos, as diferentes possibilidades de ação política e econômica (e seus resultados concretos) que compuseram a nossa história, e, sobre esse passado, será possível às novas gerações construírem o novo.
Não ignoramos o fato de que diferentes designs de ensino podem servir à mesmice de um conformismo com o individualismo e a competitividade que caracterizam as relações sociais que vivemos, mas ressaltamos que as alternativas educacionais debatidas no CONANE servem à democratização da própria reflexão sobre a sociedade frente aos parâmetros de justiça que elegemos como corretos. Currículos flexíveis, assembleias de alunos e professores, visam prioritariamente assegurar direitos de aprendizagem da língua, da expressão, da racionalidade, do raciocínio lógico, da interpretação, da reflexão e da própria construção da solidaridade. E esses são direitos das crianças, independentemente de elas se tornarem pessoas revolucionárias, pacifistas, conservadoras ou reformistas no futuro, que a elas pertence.
Há muitas questões a serem colocadas sobre o que tem sido e o que pode ser revolução frente à complexa história que viveu nossa humanidade. Mas, se pensarmos no sentido etimológico da palavra, como re volver, re mexer, trazer a tona o que estava escondido, podemos pensar que construir diálogos profundos e plurais, fortalecer a solidaridade nas escolas é revolucionário. Podemos pensar que, se nossos jovens tiverem uma compreensão densa, histórica, crítica, bem sentida e bem refletida do conceito de Revolução, podemos confiar que essa geração fará o que considerar o melhor, ciente de sua própria responsabilidade individual e coletiva.
Litza Amorim, graduada em Gestões de Políticas Públicas pela USP, aluna da pós de Pedagogia Espírita, na Universidade Livre Pampédia, colaboradora da ABPE.