Havia uma estátua na Harvard Square, em Cambridge. Vestida de noiva, rosto todo pintado de branco, um buquê de flores pequeninas e frescas nas mãos, chamava a atenção, como era de se esperar. As pessoas paravam para admirar e, de repente, tinham os seus olhos alcançados pelos dela, numa conexão clara, íntima e única. Ela, Amanda Palmer, um ícone indie que na época ganhava a vida como estátua viva. O outro, apenas um desconhecido com toda a sua múltipla complexidade. Amanda fazia um gracejo, expressando a sua performance e entregava ao outro uma das suas flores. Mas não só. Ao olhar o outro nos olhos, Amanda entregava também um pouco de si e – mesmo muda – dizia a desconhecidos jovens, velhos, pobres, ricos, humanos: EU VEJO VOCÊ. E essa era a sua arte.
E eu, enquanto profissional de educação e desenvolvimento humano, quando soube dessa história, fiquei me perguntando:
- Quantos alunos um professor enxerga na sua sala de aula cheia?
- Quantos olhos brilhantes e curiosos ainda somos capazes de enxergar enquanto fazemos uma palestra?
- Quantas perguntas mudas estamos dispostos a responder?
- Quantas conexões somos ainda capazes de estabelecer?
Nós, tão sobrecarregados de nós mesmos. Nós, tão engolidos por um sistema que renegamos. Nós, por vezes tão multiplicadores daquilo mesmo que criticamos. Afinal de contas, hoje 90% da minha rede social é Maju (a apresentadora de TV negra que foi alvo de comentários racistas), que é profissional competente, carismática, tem boa aparência e educação o bastante para sair das ofensas que recebeu ainda mais fortalecida. Mas apenas 1% dessa mesma rede é Samuel, que não é anjo, é negro, mora nas ruas, veste farrapos, têm olhos remelentos, cheira cola e vez por outra te lança um olhar cheio da revolta e da amargura que só uma criança que vive nas condições que ele vive pode lançar a alguém.
Você conhece esse olhar? Se não, é porque você não vê Samuel, que também é alvo de comentários racistas e carrega o peso da própria existência, passando pela vida assim: sem ser visto. Quantos cruzaram o seu caminho hoje? E ontem? E sempre? A estátua vê Samuel. E ela o enxerga por uma simples razão: a humanidade que há nela, reconhece Samuel na sua humanidade. Não seria esse um caminho para nos aproximarmos da Educação que defendemos? Acredito que sim e, em nome da Universidade Livre Pampédia, digo:
- Eu vejo você, que tem tantos potenciais ainda não descobertos, tantas possibilidades nunca testadas, tanta beleza e bondade para entregar ao mundo.
- Eu vejo você, que não consegue mais encontrar estímulo o suficiente para lutar pelo que acredita.
- Eu vejo você, criança, descobrindo o mundo e pedindo apenas um ambiente seguro e livre para descobrir e expressar a sua individualidade.
- Eu vejo você, pessoa única que é e com tanto de si para ainda ser visto, revisto e significado.
Durante o tempo em que esteve como estátua viva, Amanda diz que entendeu que existe uma confiança implícita entre quem apresenta sua arte e aquele que deseja retribuir por ela. Que sejamos todos, então, entregadores e receptores dessa arte que é ver o outro na sua integralidade e nos permitirmos também ser vistos. E que movimentemos bastante confiança para isso. Confiança no outro e em nós mesmos. Confiança no Universo. Confiança que nossas ações podem, sim, transformar realidades. Por um mundo com menos estátuas de pedra: presas e estáticas nos seus preconceitos, nos seus medos, na angústia e no discurso vazio que nada produz.
Eu vejo você. Toma aqui uma flor. Sigamos juntos.
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Viviane Ribeiro
Viviane Ribeiro, estou muito emocionada por tocar profundamente com suas palavras meu coração. Muito obrigada! Muita Luz pra você! beijos enormes em teu coração.
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Oi, Ângela! Eu é que agradeço o seu comentário tão gentil. Um forte abraço.
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Receba minha flor,eu vejo você!
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Querida Vivi, uma das melhores coisas que me aconteceu nos últimos tempos foi você “me ver”. Muito obrigada por tudo e por esse texto tão cheio de verdades! Saiba que eu também vejo você! Sucesso e paz, amiga!
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Obrigada, Eliete! 🙂
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Busco perceber quando minha visão está obnubilada, nem sempre vejo você!
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Essa é a busca da nossa vida, não é Fernando? Quanto mais dispostos e preparados estamos, mais conseguimos ver. Um abraço.
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Gabriela, que bom que você também me vê! Sigamos juntas, querida.
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Ao ver através dos sentimentos que retoma minha pessoa, neste ato da personagem da “noiva” , eu vejo o outro de tantas formas, que me fazem continuar em busca de me ver melhor, no sentido de continuar essa aprendizagem com minha mudança de perceber cada vez mais o outro ao meu redor. Obrigada pela reflexão!
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Segundo Winnicott (Donald Woods), médico pediatra e psicanalista, é o olhar da mãe que forma a psique da criança e se este olhar for suficientemente bom, a criança desenvolverá seu self plena e autenticamente, mas a mãe não está só, se o entorno for suficientemente bom, ele poderá suprir um pouco o olhar da mãe. Então, é isso, para nos desenvolvermos plenamente precisamos deste olhar que realmente vê, não apenas de nossa mãe, mas também uns dos outros.
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