Um grande desafio, ao propormos que a Universidade Livre Pampédia seja de fato plural, é acolhermos as diferenças, sem trairmos nossa identidade. Nesse âmbito, o ponto mais nevrálgico é trabalhar com a espiritualidade, que é um de nossos diferenciais, abrindo espaço também para os que não estão conectados com ela, para os ateus, para os que se opõem mesmo a qualquer tipo de ideia do transcendente.
Uma das justificativas da existência da Universidade Livre Pampédia é exatamente o fato de que nas Universidades tradicionais, a espiritualidade é exilada, a discussão sobre Deus é tabu, ainda que seja a nível filosófico (embora a maioria dos filósofos, no decorrer da história, tenham se debruçado sobre esse tema). Ora, se as espiritualidades e os debates sobre Deus foram reprimidos e rechaçados, agora que estamos abrindo um espaço para reinseri-los na pauta da pesquisa, da análise e da reflexão, não poderemos agir da mesma maneira, excluindo quem não pensa como nós, idealizadores desse espaço.
Há diversas questões aí a serem delicadamente tocadas.
- Embora tenhamos em nossos quadros professores e alunos ateus, é claro que haverá uma predominância de espiritualistas, dada a sede que esses últimos têm de poderem dispor de um horizonte acadêmico sério, em que tais questões transcendentes possam ser pensadas, fora do contexto dogmático das religiões.
- Por outro lado, assim como as ideologias materialistas nas Universidades desqualificam frequentemente as visões espiritualistas, tratando-as com desdém ou simplesmente silenciando-as, os que têm alguma visão de transcendência também pecam muitas vezes por não saberem expor, sem impor; argumentar de forma dialética e aberta. Ou seja, esse diálogo entre visões diferentes de mundo é uma construção a ser feita, pois não estamos habituados a isso. Todos estamos acostumados a ficar confortavelmente apenas em nossos próprios guetos de ideias.
- Para haver diálogo, é preciso haver clareza de ideias de todas as partes, para que se discutam os pressupostos, para que se chegue ao cerne da questões. Ao mesmo tempo, para haver diálogo, há que se ter profundo respeito pelo outro e há que se ter disponibilidade para a escuta (isso é raríssimo!).
Diante de tudo isso, o que fazermos para a inclusão plena de todos? Trata-se de um esforço conjunto de construirmos pontes humanas, afetivas, respeitosas – sobretudo com a renúncia sincera ao desejo de doutrinação de qualquer posição, mas também com empenho sincero de entender e acatar o modo de ver do outro. A Universidade Livre Pampédia quer garantir um espaço livre de acolhimento, mas também tem o dever de garantir que cada professor, cada pessoa que vá fazer uma ação pedagógica, possa ter o direito de se expor como pensa. Assim também os alunos deverão ser sempre acolhidos em seus questionamentos, em suas posições, em suas respectivas visões de mundo.
Para solidificar esse debate, invocamos um autor (ateu) contemporâneo, que pode vir em socorro desse diálogo: André Compte-Sponville, em seu livro O Espírito do Ateísmo. Nessa obra, ele vislumbra a possibilidade de uma espiritualidade sem Deus, uma espécie de conexão com a natureza, com o todo.
Outro grande desafio nesse mesmo âmbito do pluralismo é o zelo que a Universidade Livre Pampédia deve ter para não se tornar um local de “saladas místicas”! O que seria isso? No mundo contemporâneo, há muitas ideias superficiais, muitas espiritualidades comerciais, muito charlatanismo à solta por aí. O fato de abrirmos para o diálogo plural não significa que vamos acolher o que não seja sério, o que é apenas fruto de especulações sem nexo, o que serve apenas ao enriquecimento dos editores e dos escritores descomprometidos com qualquer verdade e qualquer pesquisa séria ou rigor lógico. Assim, cabe-nos também um cuidado para que a expressão da diversidade não se perca num vazio conceitual, num achismo do senso comum (e o senso comum atual é fomentado pela doutrinação rala da mídia e pela comercialização de ideias vendáveis). Ou seja, somos plurais, somos livres, mas somos Universidade.
Quantos desafios à vista! Ainda há muitos outros não mencionados aqui. Mas convidamos você a vir vencê-los conosco!
Dora Incontri
Interessante,espírito do ateísmo….me parece uma questão de semântica ..ótima reflexão ..
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Sem dúvida que o diálogo com o diferente é o caminho para a verdade… A dialética nos mostra isso, Paulo Freire vivenciou isso (a verdade nasce do diálogo e do conflito…) e a razão e o coração nos indicam que só por ser humano, o outro, que apresenta a ideia de forma sincera, precisa e merece ser ouvido (e concordo q saber ouvir tem sido raro…).
E, salvo melhor juízo, um diálogo dessa natureza seria uma boa retomada, aprofundamento, mais um ângulo de análise, do que o Mestre de Lion discutiu e questionou no Livro dos Espíritos sobre formas de Panteismo..
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