O documentário Tudo é Projeto, sobre a vida e o trabalho de um dos maiores arquitetos brasileiros e mundiais – Paulo Mendes da Rocha – mostra como funciona a mente criativa de alguém que todo o tempo imagina e reimagina a relação humana com o espaço. Para ele, estamos condenados a transformar pensamento em coisa. Essa é a condição humana.
Mas antes do pensamento chegar a ser coisa temos um caminho a trilhar. Esse processo é cheio de acidentes, acasos, contextos e imprevistos, e essas atribulações explicam a valorização do testemunho de resistência, perseverança e superação que hoje pululam no mercado editorial da autoajuda empresarial e no coaching. O problema dessa supervalorização da narrativa heróica é que ela rouba a importância do que é mais essencial num projeto – o conceito.
A escola Maria Peregrina, um projeto que já tem 20 anos e foi construído pela juventude católica, é uma dessas escolas inovadoras que trabalha com metodologia de projeto. Nesse vídeo, uma das idealizadoras da escola conta em detalhes como funciona essa prática. A filósofa Viviane Mosé, que visitou a escola, nos fala logo no início do vídeo de seu espanto ao constatar que as alunas do oitavo ano eram muito mais competentes em dar forma a um projeto de pesquisa que os alunos dela na graduação e no mestrado.
Para as crianças do Maria Peregrina, a metodologia de projeto não é um diferencial que promete sucesso (como no caso da autoajuda), ou uma regra à qual elas devem se submeter (como no caso da produção acadêmica). A metodologia de projeto é uma forma de organizar o pensamento para que a ideia (o conceito) que motivou o processo possa florecer. Administrar concessões e recalibragens de rota são parte da lógica do projeto, e numa escola que incorpora essa prática em todas as suas ações, os alunos aprendem que as dificuldades do percurso são todas superáveis.
Metodologias como o design thinking (algo como a forma de pensar a partir da lógica do design) nos ajudam a entender melhor esse caminho. Essa metodologia serve para o desenvolvimento de produtos e serviços e por isso ela tem como objeto um público específico, mas sua estrutura essencial pode ser aplicada em qualquer situação (na escola, na vida cotidiana, etc). Os passos do design thinking são:
1 – Entender o problema (entender os diferentes pontos de vista sobre o tema e definir a questão que precisa de resposta). Além do desenvolvimento de produtos e serviços, esse raciocínio serve para um projeto escolar sobre a água, por exemplo, ou para definir como será o recolhimento do lixo na casa de uma família.
2 – Explorar as possibilidades (listar soluções criativas a partir do entendimento do problema e filtrar essas ideias com base nas possibilidades concretas daquele contexto).
3 – Materializar as soluções (testando as ideias que passaram pelo filtro e implementando as melhores numa rotina).
A característica mais importante nessa metodologia é que ela é cíclica. Depois que se chega a uma solução, é preciso entender os diversos pontos de vista sobre essa nova dinâmica (da solução implementada). A partir disso outra questão surgirá e o processo todo se reinicia. Esse exemplo do design nos mostra que metodologia de projeto é uma ferramenta que serve para o gênio humano alçar vôos.
Em uma entrevista (em 1995) Paulo Mendes da Rocha fala sobre essa relação do homem com a arte:
“O homem é um artista, um artista do universo, é a parte inteligente do universo. Ser artista é fazer não o que pode, mas o que deseja. E vai procurar fazer, realizar, aquilo que são desejos. Então pra mim, filosofia, ciência e arte são uma coisa só. Ou são a mesma coisa. Ou são a razão da existência humana – a condição artística. Como quem diz – eu não posso fazer nada, estou condenado, não posso fazer nada que não seja uma obra de arte.”
No documentário (que foi dirigido pela filha do arquiteto), fica claro que a arte nos projetos que ele desenvolve está na capacidade que ele tem de atribuir significado às coisas. Os espaços vazios, os vão que emolduram uma paisagem, o detalhe do encanamento, o material do piso, a distribuição da paredes, tudo conversa com o conceito. A metodologia de projeto é o caminho do pensamento até a coisa. Ela não substitui a reflexão, mas ajuda esse pensar a florecer. É a repetição desse processo que vai afinando nossa apreensão e compreensão do tudo.
Para as crianças do Maria Peregrina o mundo não é um lugar de batalhas heróicas. É um campo lúdico de possibilidades, de tentativas, de diálogo constante. Para o arquiteto a construção não é uma solução para o problema do uso do espaço. É uma linguagem que ele usa para afirmar um discurso. Um projeto portanto não tem o objetivo de trazer prosperidade e sucesso, mas sim de mover a curiosidade e o desejo humano. Se toda a educação fosse plural, interdisciplinar, não seriada, não apostilada, não competitiva, o mundo seria profundamente outro.
Muito interessante seu artigo, realmente dá vontade de ver o documentário (pode ser acessado aqui, no canal da produtora pelo custo de R$ 3,30 – https://vimeo.com/ondemand/tudoeprojeto/217190741) e temos que admitir que se temos muita gente no Brasil, fazendo coisas estranhas, de gosto duvidoso, incentivando o mal, temos muitas inteligências e talentos a serviço do bem. Tudo é foco!. Quantas escolas inovadoras! Quantos talentos em todas as áreas! O Brasil tem muita coisa ruim, mas tem muita coisa boa! Vamos divulgar as boas! Parabéns Maurício! O caminho é esse!
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