No meu último texto eu arrisquei uma hipótese sobre a dificuldade que temos no Brasil para perceber que as mudanças no mercado de trabalho, que são resultado do avanço tecnológico, pedem uma mudança total na educação. Atribuí essa miopia à autossuficiência do Brasil e à independência de um mercado consumidor externo. Esse isolamento nos garantiu até hoje uma certa proteção ante as instabilidades externas, mas o preço disso é a incapacidade de reconhecer e acolher o Outro.
Neste final de semana (19/03), o jornal Estado de São Paulo publicou uma reportagem com histórias de crianças estrangeiras, refugiadas, que quando estão diante de profissionais da rede pública de ensino da cidade de São Paulo, são sistematicamente rotuladas e encaminhadas para o sistema de saúde. Nos últimos 5 anos, o número de alunos estrangeiros matriculados em escolas públicas em São Paulo aumentou 70%, e mais da metade deles recebeu da escola um documento que aponta para um diagnóstico de déficit de aprendizagem ou autismo.
As histórias relatadas na reportagem mostram um tipo de bullying que é pouco discutido – quando o professor / diretor é protagonista da agressão. Em uma entrevista ao vivo para o jornalista Vitor Hugo Brandalise (no facebook do jornal), a psicóloga e professora da USP Sylvia Dantas, explica a necessidade da formação dos educadores para que eles possam entender diferenças culturais, do ensino básico até a universidade. Mas o comentário mais relevante da psicóloga é sobre a dificuldade que temos em olhar para algo que foge dos nossos padrões sem fazer julgamentos.
O mínimo que se espera de um profissional da educação diante de uma criança – qualquer criança – é que ele seja capaz de perceber as potencialidades, as fragilidades, as reações defensivas e as aberturas que aquele ser apresenta. Os traumas e as feridas que os alunos carregam, sejam eles estrangeiros refugiados ou brasileiros, seus contextos familiares, sua condição econômica, as diferenças étnicas e de gênero, tudo deve ser levado em consideração na dinâmica entre educador e educando. A doença mental do Outro é uma possibilidade, mas que só pode ser aventada quando todas as outras hipóteses se esgotarem. Diálogo e escuta são movimentos que dão trabalho. Julgamento é instantâneo.
Mas mesmo quando tratamos desses assuntos, como fez o jornal com sua reportagem, ou como faz a professora com seu núcleo de pesquisa e estudos, ainda assim nos deparamos com a incapacidade de ouvir. Os comentários feitos no facebook enquanto a entrevista ao vivo acontecia mostram como estamos afastados uns dos outros:
“Mentalidade de esquerdopatas não me interessa.”
“Me desculpe!! Quero saber se o Brasil já afundou? Devemos debater sobre nossa economia falida que os políticos estão roubando…”
“Fora Temer”
É possível compreender de onde vem a frustração e a revolta que leva a comentários como esses. Mas também é possível ouvir uma opinião que vai contra todas as minhas certezas e encontrar nela algo de construtivo. É possível olhar para o Outro sem julgamentos. É possível amar todas as crianças, não importa de onde elas venham. Mas nenhuma dessas coisas simplesmente acontece. Precisamos ter o desejo de fazê-las e trabalhar para que aconteçam.
Mauricio Zanolini