Oh capitão! Meu capitão!

No filme A Sociedade dos Poetas Mortos, Robbin Williams faz o papel de um professor que começa a lecionar em uma tradicional escola preparatória, onde ele mesmo estudou. Sua abordagem libertária que incentiva os alunos a pensarem por si mesmos, entra em choque com a ortodoxia da administração do colégio, e no final do filme um de seus alunos comete suicídio, pressionado pelas convenções sociais e por sua família, e o professor perde o emprego. A cena antológica do filme, onde os alunos desafiam a autoridade e sobem em suas carteiras para homenagear o mestre, nos mostra o quanto os poucos meses de convívio com aquele professor impactou a vida de seus alunos. O filme é comovente e a maior parte dos espectadores se identifica com a luta do professor, se reconhece na pele dos alunos transgressores, sofre com o suicídio do adolescente e se enche de esperança quando os alunos sobem nas carteiras e dizem: Oh capitão! Meu capitão!

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A história se passa em 1959, nos Estados Unidos, pouco antes de toda a revolução social e cultural que ocorreria nos anos seguintes. O conflito de gerações que o filme mostra é o combustível de tudo o que viria, e o desfecho trágico apenas nos deixa mais convencidos sobre a necessidade das mudanças. A década seguinte foi marcada por muitos conflitos, embates, rupturas e exageros, e nós somos herdeiros diretos dessa transformação que trouxe maior liberdade de expressão, a possibilidade da busca pela realização pessoal, uma consciência mais sólida da importância de direitos humanos universais e a busca por um mundo de paz.

As narrativas que mergulham na essência dos conflitos humanos têm esse poder. Mesmo nos contando sobre um tempo e um contexto distantes do nosso, elas nos fazem repensar o nosso tempo. Quem assistiu aos filmes da série Guerra nas Estrelas (Star Wars) e torceu para o protagonista rebelde derrotar o império, viu como uma ditadura militar toma o poder enganando, oprimindo e matando. Quem assistiu ou leu a saga de Harry Potter sabe que protagonismo estudantil e professores apaixonados pelo o que fazem são fundamentais para formar futuros líderes. Quem leu as histórias em quadrinhos dos X-Men sabe que o preconceito e a segregação são atitudes desumanas, injustas e quando acirradas são como um barril de pólvora, esperando pela fagulha.

Vivemos hoje em outro cenário e em outro contexto. A velocidade da informação que viaja por todo o planeta faz tudo parecer menor e mais urgente ao mesmo tempo, e talvez por isso mesmo a reação a qualquer coisa aconteça também em escala superlativa, fora do tom. O conflito de gerações que experimentamos hoje é diferente daquele que determinou o movimento hippie, mas ainda sim é essencialmente o mesmo. O novo chega e o velho não quer abrir mão de seu espaço.

Daqui a 30 anos nosso netos vão assistir a um filme (provavelmente não será em uma sala de cinema…), que vai contar que em 2016 havia um professor que lutava por melhores condições de trabalho e apanhou da polícia durante um protesto. Ou pode ser a história de uma estudante que foi a uma casa parlamentar como porta voz de um levante de estudantes que ocuparam as escolas públicas para exigir que o Estado olhe para a educação do país. Poderá ser também um filme sobre um adolescente homossexual que foi espancado quase até a morte ou uma mulher que foi assediada no transporte público. Em todos esses filmes o protagonista vai reagir, vai encabeçar um movimento, vai se tornar um líder, um símbolo. Seus feitos serão uma síntese daquele início de século XXI e também servirão como uma metáfora para os conflitos sociais e pessoais que os nossos netos então viverão.

Os expectadores desse futuro filme, que serão herdeiros das transformações que para nós ainda vão ocorrer, vão se identificar com esses personagens, vão sofrer com eles e torcer para que eles encontrem a felicidade, mas nem sempre o desfecho desses filmes será colorido. O professor, a estudante, o adolescente e a mulher poderão perder seu emprego, terão sua reputação destruída, cometerão suicídio ou sofrerão calados. Mas talvez, mesmo que o fim seja trágico, na última cena haverá uma esperança. No último minuto, outros professores, estudantes, adolescentes e mulheres se levantarão colocando em risco sua vida, sua reputação, seu emprego ou seu conforto em nome de algo maior.

Se nossos netos forem melhores que nós eles compreenderão a metáfora e não repetirão os erros, os julgamentos, o destilar de ódio e a intolerância em que nós hoje insistimos.

Mauricio Zanolini

 

 

5 respostas para ‘Oh capitão! Meu capitão!

  1. Ótima reflexão! Muito bacana a proposta do texto falando do conflito de gerações e principalmente do papel da ficção nas construções culturais e sociais. Vou guardar como material de referência.

    Curtido por 1 pessoa

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