Quando passou a ser a correspondente chefe da CNN internacional, a hoje renomada jornalista inglesa, Christine Amanpour, cobriu a Guerra da Bósnia (1992 – 1995). Suas reportagens foram acusadas de ouvir só um dos lados do conflito, de contar só uma história. O governo de seu próprio país (e de outros que se envolveram no conflito) tratava os lados em conflito como iguais e isso fez com que ela pensasse – o que então é objetividade jornalística?
Ela entendeu que objetividade é ouvir todos os lados e falar com todos os envolvidos de forma igual, mas não é tratar todos da mesma maneira ou igualá-los moralmente. A guerra da desinformação, das notícias falsas, da propaganda, se alimenta dessa pretensa imparcialidade que, no fundo, é uma forma de não se envolver no problema.
No conflito, Amanpour ficou do lado dos muçulmanos de Sarajevo, que eram minoria e estavam sendo massacrados pelos cristãos sérvios. Ainda que os cristãos tivessem razões históricas para odiar os muçulmanos, a limpeza étnica e o genocídio levaram a jornalista a denunciar a violação dos direitos humanos. Nas palavras dela: “Há algumas situações em que é impossível ser imparcial, pois, ao ser neutro, você se torna um cúmplice”. Para Amanpour, ser objetivo é escolher sim o lado mais fraco.
A diretora da Agência Lupa, Cristina Tardáglia, nos mostra nesse TED (abaixo) que por todo o mundo os políticos mentem. Não é uma exclusividade de espectros ideológicos, partidários, nem de países mais ou menos desenvolvidos. O mundo da política é feito de meias verdades, jogos de cena, acusações falsas e desinformação. As redes sociais amplificaram essas práticas e diminuíram a distância entre a mentira e suas consequências.
Tardáglia nos lembra o caso da Fabiane de Jesus que em 2014 foi identificada por seus vizinhos como a pessoa (o retrato falado, para ser mais exato) que apareceu em uma página acusada de sequestrar crianças para matá-las em rituais de magia negra. Sem nenhum espaço para checagem da informação, Fabiane foi arrastada pelos cabelos e linchada até a morte.
Para Amanpour, a solução para a disseminação descontrolada de notícias falsas passa por um algoritmo nas mídias sociais, um filtro que separe o que é mentira e o que é verdade. Para Tardáglia, esse filtro são agências como a Lupa, que se dedicam a revisar tudo o que sai da boca dos políticos, para mostrar o que é fato, o que é falso e o que não é bem assim. Ela também incentiva o cidadão comum a duvidar de toda informação, indicando inclusive passos para fazer a triagem e evitar a disseminação de mentiras. Mas se pensarmos no caso da mulher assassinada pelos seus vizinhos, talvez nenhuma dessas ferramentas sejam suficientes diante do combustível mais eficaz das notícias falsas – nossa vontade de validar aquilo em que no fundo já acreditamos.
Então, antes de duvidar da informação (e muitas vezes duvidamos, especialmente quando essa informação entra em choque com alguma “verdade” que temos como absoluta), devemos duvidar de nós mesmos. Por que sentimos um impulso incontrolável de divulgar determinadas histórias e sentimos repugnância em relação a outras? Nenhum desses sentimentos tem relação com a razão, que é a ferramenta da dúvida e da objetividade.
O mundo da política é terreno minado, mas nossas próprias paixões e ódios são terreno mil vezes mais perigoso. Se ficamos ultrajados com as mentiras proferidas por aqueles que se propuseram a nos representar e nos governar, devemos ficar ainda mais alarmados com a falta de consciência e de controle que temos sobre nossas próprias emoções. A objetividade jornalística, como Amanpour a entende, é sim escolher um lado, mas isso não significa abraçar todas as mentiras que esse lado produz, nem desacreditar as verdades que o outro lado aponta. Se a realidade que nos cerca é complexa, nossa mente é ainda mais. Prudência e autocrítica talvez sejam os únicos filtros que façam efeito.