Será que colocamos (historicamente) nossa sobrevivência (como povo em conflito com outros povos, por exemplo) nas mãos dos meninos? E qual a consequência disso para o comportamento masculino? É com essas provocações que o educador e ativista norte americano Warren Farrell nos apresenta a Crise dos Meninos (livro que ele publicou no primeiro semestre desse ano).
O peso da responsabilidade que culturalmente é atribuída ao homem, como aquele que vai para a frente de batalha disposto a dar sua vida pelo seu país, ou para prover para a sua família (na guerra do mundo do trabalho), tem seu lado negativo. Se de um lado essa responsabilidade é coroada com a marca do heroísmo, de outro ela reduz o papel do homem a algo descartável. Soldados (e funcionários) obedecem ordens e fazem coisas que muitas vezes os machucam (física e psiquicamente) e com as quais não concordam, mas fazem porque precisam cumprir o papel que foi dado a eles (já que a existência da própria sociedade e da família depende disso).
A partir da segunda metade do século XX todos esses valores ancestrais foram contestados e invertidos. O Faça Amor Não Faça a Guerra do movimento hippie e da contracultura deixou uma marca profunda no imaginário dos nossos pais e avós. O avanço das pesquisas sobre comportamento humano, tanto em seus aspectos psíquicos e cognitivos, quanto na neurociência e na genética, cada vez mais apontam para as sutilezas e as consequências até então invisíveis, de nossa cultura ancestral. O tal papel atribuído ao masculino não se sustenta mais, e a insistência em recorrer a antigos padrões leva à dissociação.
Os dados que Farrell apresenta são impressionantes. Na comparação com as meninas, número de suicídios é maior entre os meninos, e vai ficando ainda maior com a adolescência e o início da vida adulta. O número de encarcerados (93% do presos são homens nos Estados Unidos) que cresceram sem a figura paterna é enorme. A totalidade dos estudantes que promovem tiroteios em escolas nos EUA são meninos.
Então qual é o caminho para construir uma masculinidade saudável? A falta de uma figura paterna em casa e a falta de figura masculina na escola (raros são os homens que fazem carreira como professores no ensino básico, fundamental e médio), apontam para as possibilidades de realização pessoal que não são oferecidas aos homens.
Enquanto culturalmente as mulheres veem valor ao optarem por um sentido existencial dedicado a cuidar dos outros, aos homens só se oferecem opções que se traduzem em travar uma batalha para ganhar dinheiro. Qualquer homem que escolher um caminho alternativo a esse será visto como um “perdedor”. Se isso não parece realista na sua visão de mundo (caro leitor hipotético), é porque a sua (nossa) posição na sociedade permite alguma flexibilização. Mas esses parâmetros acima citados são verdadeiros para a maior parte dos homens.
Farrell tem propostas concretas para uma sociedade que não imponha a dissociação e a doença mental aos homens. Mais pais em tempo integral, mais homens professores do ensino básico, fundamental e médio, e mais homens abraçando carreiras como assistência social, enfermagem e psicologia. Precisamos deslocar nossa busca por heroísmo de um destino que nos consome a vida para um que perpetue a vida e a saúde das novas gerações. Esse é o desafio para a masculinidade neste século.