A velha dicotomia entre herança genética e influência cultural

Somos uma tábula rasa, uma página em branco que aceita tudo o que nela for escrito? Ou somos herdeiros de características inescapáveis que predeterminam nosso futuro? Na história humana, a filosofia debateu essa dicotomia à exaustão, mas hoje a ciência tem respostas cada vez mais detalhadas sobre a dança entre aquilo que é fixo e aquilo que é maleável na essência humana.

E esse debate é fundamental quando falamos de educação. Dependendo da resposta a que chegarmos, escolheremos um tipo de abordagem educacional. Se estamos mais para padrões fixos, a educação pode seguir por caminhos de rotulação e segregação, contenção punitiva, estímulo de  características, tidas como básicas, tais como competitividade e instinto de sobrevivência. Se nos consideramos uma folha em branco, estamos abertos a todo tipo de doutrinação, reprogramação comportamental, chegando a um relativismo dissolvente.

Mas o que a ciência vem desvelando é uma relação bastante dinâmica entre o que é fixo e o que pode ser mudado. Em 2003, o professor Steven Pinker, especialista em ciências cognitivas, lançou o livro The Blank Slate (A tábula rasa), que falava sobre as evidências estatísticas sobre diversos assuntos. Entre eles, a influência da educação dos pais em relação aos filhos.

Para Pinker, as evidências deixavam claro que o fator de menor influência nas escolhas futuras dos filhos era o ambiente familiar, os valores e exemplos dos pais. Em segundo lugar, com mais influência, vinha a herança genética, a predisposição para doenças, vícios, capacidade maior ou menos de administrar o estresse. A ciência em geral via essa herança como inescapável. A maior influência ficava por conta do acaso – as pessoas que encontramos e desencontramos pela vida, os eventos traumáticos, etc.

O cientista comentou em uma fala para o TED que toda a “indústria” dos brinquedos educativos, dos livros infantis, das atividades de interação entre pais e filhos para promover o desenvolvimento cognitivo das crianças, era balela. Pelo menos, segundo os dados estatísticos baseados em comparações de irmãos gêmeos que foram separados ao nascer (e que mantiveram características semelhantes apesar de terem crescido em ambientes diversos).

Em 2016, o biólogo Moshe Szyf, em um outro TED (abaixo) nos fala da epigenética. Novos estudos demonstraram que a herança genética que carregamos em cada uma das células do nosso corpo, tem uma segunda camada de informação, que ativa ou desativa partes do DNA. A principal conclusão da epigenética é que nosso “estilo de vida” liga ou desliga características genéticas que herdamos da geração anterior. E essa nova configuração de genes ativos e inativos será passada por nós para a próxima geração.

A experiência que observou a relação entre ratos e suas crias é especialmente ilustrativa. As mães que lambiam mais e por mais tempo suas crias, fizeram com o que o organismo dos ratinhos produzisse determinados marcadores químicos que desligaram genes relacionados ao estresse.

A capacidade de administrar situações estressantes é uma característica que herdamos (assim como os ratos), e que pode ter sido moldada em gerações anteriores, por situações como períodos prolongados de escassez, de perigo constante de morte, etc. Os ratinhos que carregavam esse DNA eram facilmente irritáveis, mas o “colo” da mãe desligou essa característica.

Mais recente é um estudo que associa esse ativar e desativar genético a alimentação, exercícios físicos e outros hábitos saudáveis. Portadores de um gene que aumenta o ritmo de doenças cardíacas, o desligaram temporariamente, enquanto se submeteram a uma dieta rica em vegetais. A hipótese é que os genes das plantas influenciam o nosso código genético quando são consumidas por nós.

Talvez não seja assim tão utópico imaginar que as propostas terapêuticas da psicologia tenham influência em nossos genes. Segundo Winnicott, por exemplo, é possível revisitar as fases da primeira infância, mesmo depois de adulto, para “refazer” o que por ventura não foi feito. Não por acaso Winnicott defendia a ideia do ambiente como principal influência em nossa constituição psíquica.

E a educação, como fica? Segundo o biólogo Moshe Szyf, uma das camadas de informação (DNA) é fixa, a outra (epigenética) é dinâmica, interativa, nos permite controlar em grande medida o nosso destino. Mais do que isso, nossas escolhas hoje podem impactar a vida das futuras gerações. Deixaremos marcadas no código genético delas as consequências das escolhas que estamos fazendo agora. Essa consciência é o que pode transformar a educação. Nas palavras de Szyf: “(…) temos um grau de liberdade que pode configurar a nossa vida como uma vida de responsabilidade”.

2 respostas para ‘A velha dicotomia entre herança genética e influência cultural

  1. Muito interessante essa pesquisa! Talvez esteja aí os segredos da genética espiritual. Leopold Szondi, psicanalista húngaro, pouco conhecido no Brasil, pai da Psicologia do Destino, fala dessa herança psíquica deixada pelos antepassados, ao abordar o inconsciente familiar. Afirma que existe um parentesco espiritual. Que há dois tipos de destino: compulsivo e de livre escolha (Determinismo/Livre Arbítrio)?! Tendências e complexos que passam de geração em geração. O complexo de Caim é a chave de toda filosofia ética de Szondi, mas que em Caim, símbolo do Fratricídio infinito, permanece um toque de Abel (Essência divina que temos em nós?) . Não sei se tem algo a ver, mas deixo aqui meu comentárío.

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