Hoje as empresas buscam associar sua imagem, sua missão e valores a uma identidade forte que gere ressonância com seu público. Quanto mais amplo é esse público, mais abrangente tem que ser essa identidade, e nesse mundo globalizado essa abrangência pode gerar choques entre visões de mundo diferentes. A Empatia (estar presente, ouvir sem julgar, sentir junto com o outro), a Lógica (argumento concatenado comunicado de forma clara e direta), e a Autenticidade (não se deixar moldar pelo discurso dominante e defender sua própria peculiaridade), são a receita de Frances para o sucesso empresarial, para a construção de um mundo melhor, para a felicidade e a realização dos indivíduos. Parece ótimo, mas a realidade e os seres humanos são mais complexos do que isso.
A Empatia (esse exercício de identificação com o outro), é muito mais simples de ser vivenciada quando estamos interagindo com pessoas que tem uma história carregada de valores similares ou idênticos aos nossos. A Lógica pode ser apenas uma racionalização ou uma falácia cujas falhas passam despercebidas se os nossos interlocutores compartilham a mesma visão de mundo que moldou esse argumento. A Autenticidade, especialmente em um ambiente cheio de pessoas não muito diferentes umas das outras, passa a ser uma casca (uma tatuagem, um apreço por vinhos, etc), e não algo essencial.
A capacidade humana de se adaptar somada a nossa necessidade primal de construirmos relações com outros seres humanos, alimentam a tendência de nos moldarmos ao discurso dominante (aceitação do grupo). Além disso nossas feridas e traumas emocionais podem nos deixar mais vulneráveis a determinadas racionalizações e falácias. Por exemplo, quanto mais ódio eu tenho de mim mesmo, mais eu projeto esse ódio em um outro (que eu escolho como meu inimigo).
O ex-lider do movimento neonazista nos Estados Unidos, Christian Piccolini, nos conta nesse TED (acima) sobre suas feridas e traumas, e o caminho que ele trilhou para desenvolver a capacidade de sentir empatia por pessoas diferentes dele, e para questionar a lógica que dominava a sua visão de mundo.
Piccioloni se apaixonou, teve um filho, e essas experiências descontraíram sua visão cristalizada da realidade. Ele passou por uma profunda autocrítica, perdeu todas as referências que balizavam seu sentido existencial e reconstruiu esse sentido do zero, partindo de suas observações e sentimentos em relação a ele próprio e aos outros. Hoje ele se dedica a dialogar, oferecendo compaixão e empatia especialmente para aqueles que, aos olhos da sociedade, não “merecem” essa deferência. A Autenticidade dele é confiar no outro plenamente, mesmo sem ter nenhuma garantia.
Ao abraçarem a diversidade, empresas como o Uber promovem o debate, incentivam ações que aumentam a representatividade de grupos minoritários e, de quebra, ampliam seu público dentro de determinados nichos. Mas ainda que tudo isso possa ser visto de forma positiva, a tal “autenticidade” dessas empresas é uma peça de marketing. As feridas e traumas que seus colaboradores/empregados carregam e as pressões do trabalho que alimentam esses traumas não são o centro das “preocupações” da empresa (ainda que seus efeitos se reflitam em prejuízos mesmo que indiretos).
Embora seja possível mapear os pilares que sustentam a sensação de confiança que temos em relação às outras pessoas, e que esse conhecimento pode ser usado para melhorar situações de conflito e gestão, o verdadeiro desafio é bem mais profundo. Se as empresas querem fazer o papel de parceiras na construção da realização plena de seus empregados e clientes, é preciso se comprometer com a formação do pensamento crítico/analítico e com a necessidade de autoconhecimento de cada um deles.
É claro que talvez não seja o papel das empresas mergulhar assim tão fundo nessa relação intensa com cada individualidade da qual ela depende, mas se esse não é o caminho também não deveriam produzir um discurso que promete essa tal felicidade.