Num tempo de polarizações simplificantes, superficiais e cheias de ódio, seria interessante fazermos aqui algumas reflexões sobre os malefícios do dogmatismo, do fanatismo e da intolerância, mas sobretudo, sobre o como e o por quê as pessoas se tornam assim.
Não interessa que tipo de dogmatismo fanático que alguém assuma – pode ser religioso, filosófico, político e, pasmem, até mesmo científico – essa atitude mental é sempre limitante e problemática.
A primeira coisa que devemos ter em mente é que ninguém no mundo, em nenhum assunto, possui a verdade absoluta. Se um ser humano, falível, com seu viés histórico e cultural, se acredita possuidor de uma verdade absoluta e não sujeita à crítica, abre-se a primeira porta para a intolerância e para o fanatismo. E do fanatismo à violência, o passo é rápido, quase inevitável.
A questão é: aquele que se põe como detentor de uma verdade acima de qualquer questionamento (e se não houvesse questionamentos às verdades relativas que adotamos no decorrer da história, ainda estaríamos milênios atrás), certamente não possuirá argumentos para garantir essa suposta verdade absoluta. Assim vai se sentir ameaçado com a crítica, com a dúvida do outro, com a contestação, e numa reação emocional, desesperada, para agarrar-se à segurança de algo que não é seguro, reage com violência e vai querer impor pela força aquilo para o que não há argumentos irretorquíveis.
O dogmatismo, portanto, é um pensamento fechado, que roda em círculos, que não está disposto a aprender nada, que fica num horizonte emocional de fragilidade psíquica, que a qualquer hora pode se manifestar de forma agressiva, como tentativa de assegurar o que nunca será seguro.
O conhecimento para avançar, para chegar cada vez mais perto de verdades plausíveis (pois não compactuo com a ideia pós-moderna da impossibilidade de qualquer verdade e conhecimento), precisa se dispor sempre à abertura, sempre à revisão de si mesmo. Para isso, a pessoa precisa estar munida de maturidade psíquica (para conseguir desidealizar seus mestres, seus ídolos, seus sistemas de pensamento, sejam políticos, religiosos ou o que for), precisa estar de posse de uma segurança emocional interna. Porque, para mudarmos de posição diante de uma ideia ou de um paradigma, é preciso coragem, humildade e integridade moral e intelectual.
Isso, estamos falando no campo de pessoas religiosas, políticas ou que adotem uma determinada tendência ideológica e que se aferram a isso com unhas e dentes (o que revelam o medo inconsciente de que estejam erradas.)
Mas, agora, analisemos as milhares de pessoas que estão nas redes sociais, destilando ódio, bravatas, palavrórios de intolerância generalizantes… Essas pessoas, na maioria das vezes, nem sabem do que estão falando.
Vejamos um exemplo, de que pretendemos falar em nosso próximo curso em outubro, pela Universidade Livre Pampédia. O tema é socialismo. O simples anúncio do assunto já causa uma rejeição agressiva de pessoas nas redes sociais – sendo que, tratando-se de uma Universidade Livre, temos o direito e o dever de analisar, ensinar, discutir e dar voz a todas as formas de pensamento. Precisamos estudar, inclusive para criticar e questionar. Aliás, é esse mesmo o objetivo da Universidade Livre. Ora, o socialismo é um movimento e um pensamento multifacetado (socialismo utópico, anárquico, cristão, marxista etc.), que se iniciou nos primeiros anos do século XIX (portanto antes do nascimento de Marx, mais de 100 anos antes da Revolução Soviética). Ou seja, até para entendermos a história e por onde caminhamos em práticas e ideias, é imprescindível se estudar.
Mas… o que fazem as pessoas, no mundo do Facebook, no mundo surreal da completa indigência cultural? Gritam, vociferam, repetindo slogans antigos, da década de 60: como “vai para Cuba”, “precisamos livrar o mundo dos comunistas” e assim por diante. Conhecimento? Educação e civilidade? Maturidade psíquica e emocional? Não há. Porque no mundo cada vez mais raso em ideias e em profundidade de conhecimento, pequenas e rasas generalizações se tornam palavras de ordem e acabam por fazer muito barulho, semear muita discórdia, mas não contribuem em nada.
Veja-se por exemplo, um dos primeiros socialistas (senão o primeiro) que aparece na história, no comecinho do século XIX (Marx ainda não havia nascido): o Conde de Saint-Simon. Historicamente ele é reconhecido como alguém que influenciou os socialistas (incluindo Marx e Engels), os liberais, os positivistas (o próprio Augusto Comte foi seu colaborador) e até uma filosofia contemporânea, de um pensador francês chamado Pierre Musso: filosofia da rede. Na época de Saint-Simon, ele considerava que os seres humanos estavam conectados pelas mesmas leis da natureza, como a lei da gravidade e hoje, estamos conectados pelas redes sociais – essas mesmas que formam uma arena de gladiadores armados de xingamentos estéreis. Ora, um homem desses cabe num rótulo, numa generalização, numa rejeição raivosa?
Diante de tudo isso, dá para ver que o dogmatismo e o fanatismo (que estão à direita e à esquerda – por exemplo, marxistas ortodoxos considerem os socialistas utópicos, utópicos – pois foi Marx que assim os classificou – que estão entre muçulmanos e evangélicos, entre espíritas e ateus…) são sempre uma incapacidade de enxergar a complexidade do real e saborear a fecundidade das diferentes perspectivas.
A única coisa em que deveríamos ser, senão dogmáticos, mas pelo menos firmes e inflexíveis, seria o respeito que devemos uns aos outros e a nossa intenção de amar o próximo como a nós mesmos.
O desejo de controlar o que o outro pensa , fala e faz revela uma completa incapacidade de manter o domínio sobre si mesmo. Quem alcança, minimamente – que á a nossa possibilidade ainda -,a condição desse domínio respeita a pluralidade. Discordar e combater idéias não significa julgar pessoas pelo diferente que pense a respeito do que pensamos.
CurtirCurtir