Reforma sem reformar

reformaemRecentemente temos acompanhado as reações (favoráveis e desfavoráveis) a respeito da Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016, que trata da reforma do Ensino Médio.

A ementa diz o seguinte:

Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências.

O que há de ruim quando se propõe fomento de escolas e valorização dos profissionais? Bom, nada, mas o fato é que a MP não trata exatamente disso, mas de mudanças pontuais na legislação vigente.

A questão é que o problema do Ensino Médio é mais metodológico e estrutural que de disciplinas e conteúdos. Temos, é verdade, um EM desconectado e desatualizado, ocasionando um verdadeiro desastre educacional, refletido nas avaliações do sistema, o que enseja sim uma mudança. A proposta da MP seria a ênfase nas áreas de menor desempenho nos testes (por meio talvez do ensino de tempo integral), e a flexibilização do currículo, de modo a tornar o EM mais atraente para o jovem (com a desobrigação de algumas disciplinas e possibilidade de escolha de áreas).

Não se pode negar que a Educação Básica como um todo tem falhado. Não é um problema apenas do EM. Entretanto, a ideia de escola em tempo integral e de flexibilização do currículo já é possível com a legislação (até então) vigente! Trata-se de mudança de metodologia de ensino, e não há nada proibitivo neste sentido na lei. Por que então não se faz dessa forma? Escrevi um pouco sobre inovação na educação há um tempo atrás, mas gostaria aqui de palpitar em outro sentido.

Uma boa reforma (é um palpite, mas fundamentado, ok?) seria uma ação em dois pontos: a formação de professores e a valorização desses profissionais.

No primeiro ponto, sugerimos (sabendo que isso não vai chegar ao Congresso) uma ampliação do tempo dos cursos de licenciatura, com três anos básicos e comuns a todas as licenciaturas (como ocorre em vários cursos de engenharia), com foco na Pedagogia e no estudo de metodologias diversas de ensino, e três anos de especialização: em educação infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental (formando o pedagogo propriamente dito), ou em cada uma das áreas clássicas (Matemática, História, Biologia, Física, Filosofia, etc., formando tanto o licenciado quanto o bacharel). Nesses três anos de especialização, o foco seria a área específica, sem perder de vista as metodologias de ensino próprias de cada área (lembrando que ensino não se resume a aula – pense-se em pedagogias como a de projetos, por exemplo), os 18 meses finais seriam dedicados a estágio/residência e projetos (nada impede que projetos e estágios ocorram desde o início da formação – questão a se pensar).

No segundo ponto, sugerimos uma reestruturação na carreira docente pública, de modo que professores dos estados e dos municípios tenham a mesma remuneração, carreira e possibilidade de dedicação exclusiva que têm os professores federais. Caso estados e municípios não tenham receita para manter essa estrutura de carreira, a União entraria com recursos complementares.

Teríamos aí uma valorização condizente com a responsabilidade exigida e com a formação do profissional, além da possibilidade concreta dos professores vestirem a camisa da instituição onde trabalham, contribuindo para a criação de projetos inovadores e aumento da qualidade da educação. E, veja que interessante, não apenas do EM, mas de toda a Educação Básica, além do Ensino Superior, visto que parte dos docentes formados acabam se tornando formadores de professores.

Uma boa formação e uma boa remuneração atraem mais pessoas interessadas na carreira. Já parou para pensar no que leva alguém a cursar seis anos de Medicina mais dois ou três de residência? Bons profissionais formados atuariam no Ensino Básico e Superior, de modo que teríamos uma interessante reação em cadeia: os bons efeitos gerados na Educação Infantil gerariam bons efeitos no Ensino Fundamental, este no Ensino Médio, e este no Ensino Superior; sendo que os estágios/residências passam a ocorrer em escolas de qualidade. A repetição dessa reação em cadeia originaria um círculo virtuoso!

Esses profissionais teriam, enfim, embora muitos já tenham hoje, melhores condições para implementar uma escola de tempo integral.

É isso que poderíamos chamar de “Fomento à Implementação de Escolas em Tempo Integral” e “Valorização dos Profissionais da Educação”!

A reforma apresentada pela MP, no entanto, tem o foco em conteúdos e disciplinas, só isso. Em outras palavras, é remendo novo em pano velho (um pano velho ainda em forma, que é a LDB), além de ser uma medida autoritária, pouco conforme com a ideia de educação democrática, por exemplo.

A questão é que ela parte de uma premissa verdadeira em torno de um problema sistêmico, sugere uma boa ideia que é o tempo integral e a flexibilização, mas parte para uma solução pontual e pouco efetiva.

Desculpe a sinceridade, mas Mendonça Filho é um amador no campo educacional (nem vou falar do chefe do Executivo), e está à frente de um dos mais importantes ministérios de um país em desenvolvimento. O MEC poderia fazer muito mais sem precisar mexer nos pontos que mexeu na legislação. A solução para a Educação Básica (e não apenas o Ensino Médio) passa precisamente por uma questão de prioridade, de vontade política e de conhecimento de causa.

Quanto ao aspecto metodológico que se precisa mudar, não pretendemos dar enfoque nesse texto (que já está bem extenso), mas podemos dizer que passa pela adoção do conhecimento em rede, em substituição das gavetas disciplinares desconectadas umas das outras que temos hoje, mas sem acabar com nenhuma disciplina, pois elas são os nós de toda a rede. Assim, menos tempo para os nós e mais tempo para os caminhos que os interligam já seria uma boa medida, e isso a lei já permitia (veja um exemplo). O próprio MEC já tem um mapa de escolas inovadoras para sugerir boas práticas educacionais.

Por fim, somos da opinião de que enquanto as possíveis soluções forem pontuais, não passarão de demagógicas.

Rogério Ribeiro Cardoso

Esse artigo foi também publicado em:

omnesomniaomnino.com/2016/09/27/reforma-sem-reformar

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