Sexo, violência e contexto cultural

Para a psicóloga Cristina Fernandes, especialista em violência sexual contra crianças e adolescentes, o contexto cultural tem um peso muito importante para se definir o que é violência sexual. Ela entende que existe um componente de identidade, de autonomia e pertencimento (valores positivos) na prática sexual chamada competição de trenzinho, que acontece em bailes funk, onde meninas adolescentes trocam de parceiro sexual numa coreografia embalada pela música, sem nenhum tipo de proteção, o que resulta em uma alta incidência de gravidez sem que o pai seja conhecido. Na leitura que ela faz, ao coordenar o Centro Integrado de Atendimento à Mulher que atende mulheres vítimas de violência, o conceito de violência é relativo e não pode ser guiado por um conceito moralista que não considere o contexto cultural onde está inserido.

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O problema dessa leitura está no que ela define como contexto cultural. Uma comunidade do Rio de Janeiro não é uma tribo indígena isolada que tem uma dinâmica interna própria e não sofre a influência da exposição a um mundo ocidental, capitalista, globalizado e conectado em rede. Ao partir da experiência de alguns indivíduos (no caso meninas adolescentes de comunidades que frequentam bailes funk), a psicóloga toma essa narrativa e a generaliza, aplicando-a universalmente. A consequência disso são políticas públicas que relativizam a própria ideia de violência.

Muitas vezes, a lógica da relativização – que parece ser tão inclusiva quando abre a possibilidade para que todos tenham voz, para que todas as narrativas sejam consideradas, para que as minorias sejam representadas – se transforma em perversão. Ao eleger apenas uma narrativa como uma forma de garantir visibilidade para um determinado grupo, ou para se opor radicalmente a um ideia hegemônica, acontece uma simplificação. Num mundo complexo como o nosso não podemos cair em discursos extremistas de qualquer cor, que se digladiam um versus outro, ou no outro extremismo do relativismo, que se disfarça de pluralismo. Esse caminho do meio é difícil por que é mais complexo, mas não é impossível.

No caso da competição de trenzinho é preciso dar voz à narrativa dos meninos que também são influenciados por um contexto social que os coloca neste papel. As famílias, os valores da sociedade (local e como um todo), a qualidade e o objetivo da educação que é ofertada tanto aos jovens quanto a seus pais e mães, tudo tem que ser pesado e considerado se quisermos chegar a uma solução. Ações como a distribuição de preservativos e a educação sobre doenças sexualmente transmissíveis são sem dúvida necessárias, mas o discurso relativista pretende encerrar a atuação da sociedade nesses pontos. Não reconhecer a violência a que todos os envolvidos estão expostos, relativizando o contexto cultural é apenas um discurso elaborado para não nos responsabilizarmos pela questão.

Mauricio Zanolini

 

4 respostas para ‘Sexo, violência e contexto cultural

  1. Perfeito. Sonho com esse dia, onde a educação esteja presente em todos os lugares e disponível para as pessoas de todas as idades. É preciso educar os jovens e as crianças, mas o adultos e os velhos também. Pais também precisam de alguém que os ajude nesta tarefa de ser pais. Gostaria muito de um outro texto propondo possíveis soluções educacionais.

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  2. Indago, como será que pais e mães reagem ao saberem que suas filhas engravidaram de um pai desconhecido, ao frequentarem um baile funk, mantendo relações sexuais com vários parceiros numa mesma noite? Será isso encarado de forma natural numa determinada comunidade, por se tratar de algo cultural e próprio daquele local?

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