Mudanças na educação, moedas recebidas e terapia pedagógica

old paper roll inside treasure chest on wooden background

Mudar a Educação não é apenas uma questão política, institucional e mesmo pedagógica. É preciso mudar estruturas internas do ser humano, para fazê-lo apto a educar dentro de um novo paradigma de liberdade e respeito à individualidade do outro, de amor construtivo e saudável.

É um clássico nas terapias defrontarmo-nos com pessoas que afirmavam que nunca fariam com os filhos aquilo que os pais fizeram com elas e que, com o passar do tempo, foram surpreendidas realizando as mesmas coisas.

Muitos dos que não aceitam suas moedas (entendendo-se segundo o livro de Joan Garriga Bacardi, Onde estão suas moedas? que moedas aqui são o abundante cabedal de experiências que tivemos com nossos pais, tantos as agradáveis quanto as alegres ou tristes, afortunadas ou malsucedidas) e permanecem na queixa ou no ressentimento, se comportam, quando mais velhos, como seus pais, ou reproduzem comportamentos daninhos (transgeracionais), iguais aos recebidos.

Vale dizer que a raiva, o ódio, o rancor, a mágoa, quando mantidas em nosso psiquismo, engessam nossas percepções e ações, impossibilitando mudanças.

Falando ainda de questões mais gerais, ao que daremos o nome de “eixo estrutural psíquico do Ser”, sabemos que pessoas que apresentam padrões mais ansiosos são fruto de um “meio ansioso”, pessoas depressivas, idem, e assim por diante.

Quando crianças, amamos incondicionalmente nossos pais. Eles são os nossos super-heróis fantásticos, poços de sabedoria e segurança total. Neles depositamos todas as nossas esperanças e expectativas. Abrimo-nos aos seus apelos, falas e gritos, acreditando que estão cheio de razões em seus olhares, falas e ações. Este processo acaba por deflagrar em nós uma introjeção total deles. Nossos pais estão em nós, fazem parte de nosso Ser mais profundo, atuando através de nós, mesmo que não aceitemos este fato.

O que acontece é que, quando amamos ou odiamos nossos pais, acabamos por nos amar ou odiar, concomitantemente. Não podemos realizar uma “cirurgia emocional” arrancando de nós aquilo que são nossos pais em nossa personalidade. E quando negamos as “moedas” que nos ofereceram ou ainda nos oferecem, acabamos por negar a nós mesmos. Nossa autoestima é altamente prejudicada, quando não totalmente renegada por conta deste processo de negação.

Quando deixamos de aceitar as “moedas que nos cabem”, acabamos por promover lacunas emocionais, que nos impulsionarão a uma busca inglória, fora de nós, no mundo. Buscamos no companheiro, nos filhos, nos amigos, ou até mesmo no trabalho, na religião, num hobby qualquer, aquilo que entendemos como nosso, o que deve nos “completar”, tornando-nos felizes, plenos, inteiros.

Esta busca, por ser cega e desgovernada, pode ferir e fazer sofrer os demais. Mesmo que os outros tenham profundo amor por nós, a verdade é que cada qual carrega em si aquilo que lhe corresponde e que pode servir de alicerce para novas construções existenciais.

Transpondo isso para a Educação mais abrangente, que não apenas aquela feita pelos pais, observa-se que para educar de forma diversa do que se foi educado, seria preciso algo mais do que uma aprendizagem de belas teorias pedagógicas. O quanto dessa formação recebida na família, o educador leva para a sua prática pedagógica?

O educador, para ser educador, tem de fazer uma releitura de si mesmo, enxergando que moedas são as que recebeu e ressignificá-las. Precisará reencontrar a criança que já foi, revivê-la, valorizá-la, libertá-la dos traumas que teve na infância, das repressões que sofreu numa educação inadequada, passar de novo a olhar o mundo com o olhar sensível das crianças. Para lidar com crianças e adolescentes, precisa ser menos professoral e mais jovial, mais livre e mais feliz. Ora, tudo isso não são conquistas apenas da razão, não se adquire em meras aulas teóricas, mas são processos pelos quais o indivíduo precisará se reconstituir internamente.

Introjetar teorias apenas pela cognição não é garantia de que houve uma adesão interna e uma mudança real de atitudes. Romper o ciclo de educações repressivas, traumáticas, modeladoras é um ato consciente, que passa necessariamente por uma visita ao inconsciente.

Por tudo isso, existe um projeto em gestação na Universidade Livre Pampédia, que é o da Terapia Pedagógica, que pretende criar uma prática de cuidado psíquico em adultos através da educação, entendendo-se terapia e educação, como duas facetas de um só processo autônomo do sujeito, como autor de sua própria construção, pela qual ele atinge a sua realização enquanto ser humano. A terapia pedagógica está pensada para qualquer pessoa, podendo-se constituir duplas ou grupos (não muito numerosos), para aplicação recíproca da proposta. Entretanto, a terapia pedagógica destina-se de forma especial aos educadores, que de modo geral têm apenas uma formação teórica.

E quando falamos em educadores, voltamos aos pais. É necessário que se feche o ciclo: que educadores (pais e professores) façam suas terapias com psicólogos convencionais ou através de uma proposta pedagógica, como a que estamos lançando, para que possam educar as novas gerações de forma menos traumática e mais aberta. E que as moedas que se passem entre educadores e educandos sejam moedas de ouro e possam enriquecer a vida e não gerar mais tanto sofrimento.

Dora Incontri e Cláudia Mandato Gelernter

2 respostas para ‘Mudanças na educação, moedas recebidas e terapia pedagógica

  1. Parabéns a ambas pelo texto limpo, consciente e muito profundo, sobretudo pelo ponto de vista a autoestima. Para complementar, sugiro a leitura de da obra Emoções que Curam, de Ermance Dufaux, pelas mãos de Wanderlei de Oliveira, Editora Dufaux que aborda complementarmente o raciocínio do texto desenvolvido por vocês.

    Abraços e parabéns

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  2. Oi Dora, oi Cláudia,
    Parabéns!
    Texto muito profundo, claro e digamos, certeiro!
    Neste momento ele me foi muito esclarecedor, pedagógico e acima de tudo me fez pensar na minha necessidade de:
    “…Romper o ciclo de educações repressivas, traumáticas, modeladoras é um ato consciente, que passa necessariamente por uma visita ao inconsciente…”
    Um grande beijo para vocês´.

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