Utopias – como é uma sociedade feminista

 

2560A escritora premiada e roteirista de jogos Naomi Alderaan escreveu para a coluna de UTOPIAS do jornal The Guardian sobre um mundo onde meninas e meninos, filhos de pais separados, não cresceram com um pai, que os visitava raramente, enquanto contavam com a presença constante da mãe. E isso pode mudar tudo!

Ela começa nos dizendo que ao longo das últimas décadas, temos a impressão estarmos lentamente nos aproximando de uma utopia de igualdade de gênero. Mas em alguns momentos, como, por exemplo, com a eleição de Donald Trump, nos sentimos muito longe desse paraíso feminista. Os protestos das mulheres ao redor do mundo contra Trump mostram o quanto ainda é preciso lutar. E por causa de toda essa luta que nos aguarda, precisamos pensar sobre onde queremos chegar.

Naomi Alderaan entende a Utopia Feminista como um mundo onde os órgãos genitais, arranjos hormonais ou identificação de gênero não são importantes. Onde nenhuma emoção é definida pelo gênero: todos somos vulneráveis ​​e fortes, agressivos e carinhosos, confiantes e inclusivos, compassivos e dominadores. Onde cada uma dessas características é vivenciada livre e plenamente sem ser podada ​​porque “meninos não choram” ou “as meninas são comportadas”.

É um mundo onde não há “brinquedos para meninos” e “brinquedos para meninas”. Não há empregos femininos e empregos masculinos. Ninguém nos agride se saímos de nossos papéis sociais, já que esses papéis não existem. É um mundo onde nem gênero nem sexo definem nosso destino. Onde não ensinamos as crianças que elas não podem fazer isso, ou devem fazer aquilo, “porque você é um menino” ou “porque você é uma garota”. Não é um mundo onde as oportunidades são negadas.

Christopher Bell nos fala sobre o poder da cultura (e da mídia, especificamente a industria do entretenimento) na formação do que chamamos de “ser homem” e “ser mulher”. Nessa palestra (abaixo) ele mostra como os estereótipos de gênero tem consequências nefastas para a sociedade como um todo e como nossos preconceitos e visões estreitas podem matar.

Mas ainda estamos muito longe desse mundo de igualdade de gênero. Então, como podemos chegar até ele? Para Naomi são um milhão de passos, grandes e pequenos. Um deles é rever urgentemente a ideia arraigada de que as mulheres são “cuidadoras naturais de crianças” e que os homens “não tem habilidade naturais” para lidar com os filhos. Essas ideias estão na base da legislação trabalhista, no conceito de licença maternidade / paternidade, no desenho das regras de custódia dos filhos.

A “guarda compartilhada” após a separação do casal, precisa ter uma divisão mais equilibrada de tempo com o pai e tempo com a mãe (o que hoje ainda é raro). E nós precisamos de instalações de creches obrigatórias em grandes empresas – e incentivos e recursos para pequenas empresas aderirem a serviços como esse para seus funcionários.

Faria uma enorme diferença na vida emocional das crianças se elas não tivessem que crescer com a presença constante da mãe e visitas episódicas do pai. Naomi acredita que isso resultaria em adultos melhor preparados para construir laços mais saldáveis, talvez como consequências profundas na dinâmica dos relacionamentos dessas crianças (futuros pais e mães).

Então os empregadores teriam menos razões para não contratar mulheres prestes a começar uma família e mais uma razão para aplicar o mesmo pensamento aos homens, melhorando as disparidades salariais entre homens e mulheres. Hoje os homens são privados de tempo com seus filhos porque têm que se dedicar intensamente ao trabalho (com smartphones, e-mails, whatsapp e homeoffice que nos conectam 24 horas por dia), e as mulheres são privadas da independência econômica porque ganham menos que os homens e são dispensadas quando retornam da licença maternidade. Para criarmos essa Utopia Feminista, precisamos nos comprometer a acabar com esse ciclo.

Outro passo é mudar nossa conversa cultural sobre violência, agressividade, virilidade e crime. No Reino Unido, os homens têm cerca de 22 vezes mais chances de serem enviados para a prisão do que as mulheres. Os homens são mais propensos do que as mulheres a perpetrarem e serem vítimas de violência. Independente das diferenças hormonais que em geral servem de argumento para justificar o comportamento masculino, estamos falhando na educação de meninos e homens. Não conseguimos ensinar a eles que virilidade não é violência e que a agressão não é solução de conflitos.

Essa cultura da violência é um desastre para toda a sociedade. Três mulheres por semana são mortas por homens na Inglaterra e no País de Gales. E as mulheres recebem uma enxurrada de conselhos supostamente “preventivos” como não andar nas ruas depois de uma determinada hora, não usar essa ou aquela roupa. A mensagem por trás dessa cultura do medo é que se você se submeter a essas regras, a vítima do sádico errante na rua será outra mulher, não você. Isso é desumano. Naomi sugere que se ensine autodefesa para as meninas na escola, dos 5 aos 16 anos. Pelo menos até a educação dos meninos ter outro foco.

Ensinar aos meninos na escola as habilidades de auto-expressão e inteligência emocional, de mediação e resolução de problemas, é um passo essencial. Isso criaria a cultura de resolução de disputas com palavras, ideias e gentileza, e não com os punhos ou com uma arma.

Para Naomi nossa relação com as emoções são a essência dessa Utopia Feminista.  Em tantas áreas, ainda insistimos na ideia de que as mulheres são “fracas” e que os homens são “fortes”, de que os homens trabalham e cuidam das mulheres, e as mulheres são gentis e os homens violentos. Precisamos admitir que a personalidade, a vida interior e as experiências da vida de cada um de nós não se dividem em “masculino” e “feminino”. Temos que parar de negar que essa simplificação nos magoa a todos, destruindo o potencial que temos para sermos mais do que somos.

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