A inclusão da espiritualidade na pesquisa, na educação, na vivência pessoal e coletiva é uma demanda de nosso tempo, visto que o positivismo estreito e materialista não conseguiu dar conta do ser humano por inteiro. Essa também é uma bandeira da Universidade Livre Pampédia.
Entretanto, alguns parênteses precisam ser colocados, para que certas diretrizes sejam garantidas, e essa inclusão não signifique um retrocesso em termos de rigor científico e filosófico.
Explico-me. Ao mesmo tempo que reconhecemos que a dimensão espiritual do ser humano precisa ser contemplada nas mais diversas áreas do saber, importa não perder de vista que a sociedade superficial e descartável de consumo trata dessa dimensão de uma forma perigosamente rasa.
Diante do vazio existencial que o mundo contemporâneo provoca, com sua escassez de relações humanas profundas; com as notícias diárias de tragédias, sangue e guerras; com sua oferta excessiva de informações contraditórias, manipuladoras e pessimistas; com seu consumo desenfreado – é óbvio que a demanda por uma espiritualidade aumenta e se torna muitas vezes uma estratégia de sobrevivência. Para encontrar sentido, elevar–se acima do turbilhão do momento, evitando depressão, drogas, suicídio, há que se procurar a visão das montanhas, da transcendência, da eternidade.
E aí, dois atalhos se mostram muito frequentes, atalhos que aparentemente diferem um do outro, mas que têm algo em comum.
- O atalho da espiritualidade light. Essa que é vendável, que tem termos vagos, indefinidos, genéricos, fazendo uma salada mística, sem raiz e profundidade, sem consistência e racionalidade. Promete soluções fáceis: basta pensar positivo e seu câncer se cura, sua conta bancária prospera, seu amor volta ou você precisa simplesmente se autoamar e tudo estará resolvido. Essa espiritualidade fala em energia, cristais, crianças índigo, em física quântica mal explicada e mal entendida, abusa dos namastês e resvala para a autoajuda, que é sempre fraca, comercial e descomprometida com a razão. Essa espiritualidade light e comercial pode aparecer ligada a qualquer um dos rótulos das religiões e filosofias sérias, como o budismo, o espiritismo, o catolicismo ou pode aparecer livre de rótulos específicos e usar a bandeira da inter-religiosidade. Característica própria dessa forma amorfa de espiritualidade é que ela não se compromete com princípios éticos muito definidos, ela é permeável às influências do politicamente correto, sem nenhuma reflexão; ela é tolerante em excesso, não por compaixão, mas por interesse, pois ela se vende bem agradando a todos e não exigindo muitas transformações profundas do ser humano, em busca de sua transcendência.
(O vídeo abaixo é uma sátira dessa vertente, e como toda sátira traz verdades importantes:)
https://www.facebook.com/fatorquantico.br/videos/996981776992254/
- O atalho do fanatismo. Esse se enraíza nos fundamentalismos de todos os tempos, de todas as religiões, filosofias e doutrinas (mesmo as materialistas) e sempre derramou sangue e destilou ódio entre as pessoas. É uma espiritualidade bem definida, aliás excessivamente, porque se apega a algum tipo de ortodoxia estrita, que se considera a única detentora da verdade, com exclusão violenta de todas as outras visões. Mas ela também oferece soluções mágicas e fáceis de salvação: basta crer e será salvo; basta pagar o dízimo e terá prosperidade; basta seguir determinados líderes, gurus ou certos livros, e abdicar da análise crítica e do pensamento livre e será feliz. Esse atalho não se propõe a dialogar com nada, aliás se fecha a qualquer diálogo. E do ponto de vista moral, é um atalho duro, intolerante, repressor, hipócrita, nada permeável aos avanços da sociedade.
Como vemos, o que é comum em ambos os atalhos e que cai tão bem em nosso tempo é o imediatismo fácil das soluções propostas e a irracionalidade dessas soluções.
Ora, quando defendemos a inclusão da espiritualidade, estamos tratando da espiritualidade com algum rótulo específico ou da espiritualidade livre, mas que raciocina, critica, estuda, se aprofunda, se faz um caminho existencial empenhado em transformações pessoais e sociais profundas. Não são caminhos mágicos, mas caminhos de esforço e comprometimento, de princípios morais sólidos, mas que não geram intolerância justamente por serem sólidos.
Por isso, é importante que essa espiritualidade esteja em diálogo com a Ciência, com a Filosofia, com a sociedade. Para garantir que ela não se perca num mundo de fadas, bruxas e duendes e nem se feche num gueto inquisitorial. E por isso é bom que ela esteja na Universidade. Nas Universidades tradicionais e nas Universidades Livres.
Dora Incontri