A analista Michele Wucker nos conta nesse TED (abaixo) que nossa cegueira diante do óbvio está ligada a percepção de que não temos controle sobre o nosso futuro. Para ilustrar isso ela compara os Estados Unidos e a China. Os dois países têm problemas com sua dívida pública, concentração de renda e produtividade, mas olham para os sinais da economia de formas quase opostas. Enquanto o governo americano tenta acalmar o mercado com a previsão de instabilidades leves, o governo chinês fala abertamente sobre indícios de bolhas e quebras no mercado financeiro. O mais interessante é entender o que leva a essa diferença, e a resposta está na cultura.
Se existe a percepção (numa determinada cultura) que você será ajudado se cair, as pessoas tendem a ver os riscos como uma coisa menos grave (menos paralisante). Isso pode levar a um diálogo mais franco sobre realidades desconfortáveis (já que o risco de ser criticado pela sua franqueza não é percebido como algo paralisante). Numa outra cultura que reforça o individualismo do “caiu, levante por si mesmo”, a tendência é que as pessoas não se exponham a riscos que elas consideram desnecessários (portanto são muito menos abertas à mudanças). Parece contraditório e contraintuitivo, já que o senso comum nos diz que a super proteção fragiliza aqueles que não são expostos às dificuldades da vida. Mas é preciso entender que a função do senso comum é validar as crenças e os valores da cultura em que ele está. Essa validação soa como um conhecimento coletivo e nos dá a sensação de pertencimento, mas não é uma verdade universal.
Cabe aqui um comentário sobre as narrativas de superação e empreendedorismo típicas de sociedades que culturalmente idealizam a meritocracia e esforço individual (ou seja, incentivam o individualismo). A sensação de que as pessoas só podem contar consigo mesmas precisa do antídoto de narrativas épicas e de estímulos pela busca da prosperidade. É assim que se rompe a paralisia causada pelo individualismo, na pressão de modelos de sucesso, e por isso é tão comum que os meios justifiquem os fins.
Outro fator levantado pela analista é nossa resistência a buscar conhecimento sobre assuntos que desconhecemos (e que tememos). Essa resistência funciona da mesma forma contraintuitiva, já que o desconhecimento e o medo não são consequência de uma total falta de informação, mas sim uma reação a informações estereotipadas e enviesadas. Essa desinformação pode inclusive ser alimentada pelo senso comum. Para empreender uma real busca por conhecimento é preciso estar disposto a ter suas ideias desafiadas e desconstruídas. É um risco que a maior parte das pessoas não está disposta a correr.
Existe mais um aspecto cultural que reforça esse circuito fechado de medo do risco, reforço de valores e crenças do senso comum e cegueira – a ideia de que se não conseguimos ver o óbvio somos burros e ignorantes. Nas palavras de Michele Wucker: “Se você não vê o que está na sua frente, você não é burro, você não é ignorante, você é humano. E uma vez que todos reconheçamos essa vulnerabilidade compartilhada, isso nos dá o poder de abrir nossos olhos, ver o que está diante de nós e agir antes de sermos pisoteados.”
O que Michele não diz é que diante desses pontos cegos que são alimentados pela cultura que nos cerca, por nossos próprios medos de parecermos menos preparados ou críticos demais em relação aos nossos pares, existem forças hegemônicas e organizações e indivíduos com muito mais poder que nós. Esses pontos cegos que aqui tentamos descortinar para deixarmos de agir de forma irracional, são constantemente manipulados por forças que têm interesses bastante particulares. Entender os pesos das condições materiais, da cultura, de nossas emoções, da pressão exercidas pelas bolhas das quais fazemos parte, é, em última análise, contestar a desigualdade de influência que temos sobre o destino coletivo (e por consequência individual) de todos nós.