O foco de Kim é a maior população carcerária do planeta e os números são chocantes. Quase 80% dos presos nos Estados Unidos apresenta traumatismo cranioencefálico. Entre as mulheres o índice é ainda maior – mais de 90%. A título de comparação, num grupo de universitários os índices de TBI são de 5%. Nas palavras dela: “TBI junto com doenças mentais e abuso de substâncias e traumas, faz com que seja difícil para as pessoas pensarem. Elas têm deficiências cognitivas, como dificuldade de fazer escolhas e baixo controle de impulsos.” Esse cenário cria um círculo vicioso que faz com que essas pessoas entrem e saiam do sistema prisional repetidas vezes, em muitos casos agravando seus traumas cranioencefálicos em conflitos dentro das cadeias.
O trabalho de Kim é mapear caso a caso a extensão do TBI, identificar os problemas cognitivos como dificuldade de memorização, e sugerir mudanças comportamentais tanto para os presos quanto para os profissionais de segurança que são responsáveis por eles, os juízes que avaliam seu progresso, etc. A ideia é ampliar a consciência sobre as causas de determinados comportamentos para que tanto os presos quanto o entorno possam trabalhar a favor de uma reintegração social.
Mas esse tipo de estudo é absorvido pela sociedade de forma preconceituosa. Outras pesquisas sobre o cérebro feitas com populações que vivem abaixo da linha da pobreza são rapidamente transformadas em uma nova eugenia pela imprensa e a opinião pública. Manchetes do tipo: “Como a pobreza impede o desenvolvimento do cérebro das crianças”, ou “Por que as pessoas pobres parecem tomar más decisões”, cristalizam causa e efeito e sentenciam os pobres como menos capacitados.
A pobreza e as condições que frequentemente a acompanham – violência, barulho excessivo, caos em casa, poluição, desnutrição, abuso e pais sem emprego – podem afetar as interações, a formação e o rompimento de conexões no cérebro jovem. Mas é preciso deixar claro que a separação dos pais, o abandono (ou a sensação de abandono) experimentada por uma criança que fica a maior parte do tempo com a empregada, o excesso de consumo como forma de manifestação de afeto, são modalidades de violência que não são exclusividade de uma classe social. Da mesma maneira que as condições materiais não determinam o grau de cuidado que os pais têm com seus filhos, ou com a sua casa.
Trabalhos como o da neurocientista Mary Helen Immordino-Yang mostram que esse campo de pesquisa ainda tem muito o que investigar e contribuir para o debate. Suas investigações descobriram que os adolescentes que refletem sobre a violência que os cerca e os afeta, mostram padrões de conectividade cerebral que podem estar ligados a maior resiliência, assim como sentimentos ampliados de compaixão.
Mas ainda que o ser humano seja capaz de superar adversidades, que o cérebro e mesmo o nosso DNA seja mais mutável do que imaginávamos, os estudos não deixam dúvida sobre as consequências desastrosas da violência física, material e psicológica. Se queremos um mundo justo, com oportunidades para todos, não podemos ser coniventes com nenhum tipo de violência e isso significa que temos que lutar para que a sociedade mude seu olhar sobre esse assunto.