A série da VOX explora diferentes ângulos dessas relações tensas. No Japão acompanhamos uma população de descendentes de coreanos, cujos ancestrais foram arrancados à força de seu país de origem e escravizados. Com a derrota do Japão na II Guerra Mundial e a polarização da Guerra Fria que dividiu a Coreia em norte e sul, os coreanos residentes no Japão passaram a receber auxílio financeiro da parte comunista de seu país de origem. Isso deu para eles uma identidade (embora a maior parte deles não fosse originalmente do norte da Coreia). Hoje, o governo nacionalista do Japão (que no limite defende o retorno da glória do império japonês) corta financiamento para escolas, hostiliza e persegue essa população, que se agarra à sua identidade norte-coreana, idealizando um país que eles nunca viram.
Em outro episódio, olhamos mais de perto a fronteira entre o Haiti e Santo Domingo, dois países que dividem a ilha onde Cristóvão Colombo primeiro aportou em 1492. Os franceses, que colonizaram o lado que hoje é o Haiti, tratavam seus escravos arrancados da África com mão de ferro e distância (sem miscigenação). Do outro lado, os espanhóis criaram estruturas políticas e administrativas que incluíam (ainda que essa inclusão seja carregada de injustiças) os nativos e os filhos miscigenados. O resultado dessas e de outras diferenças é um racismo baseado em diferenças de tom de pele mais ou menos escuro, disputa de grau de superioridade entre quem é pobre e quem é miserável, levando à expulsão, perseguição e violência.
Todos os episódios mostram que as fronteiras são limites arbitrários definidos por disputas, acordos e contextos que mudam com o tempo, mas que essencialmente demarcam uma linha que divide o espaço (físico ou psicológico), determinando identidades diferentes para cada lado. A proximidade dos indivíduos a essa linha aumenta a percepção deles sobre as diferenças que ela impõe, acirrando visões extremistas de identidade e de defesa de território que se somam a uma falsa sensação de segurança. A fronteiras são a manifestação física de um conceito abstrato onde todas as fragilidades humanas ficam expostas, de todos os lados.
A necessidade de pertencimento, ou como definiu Abraham Maslow (psicólogo norte americano), a sensação de ser um humano entre seres humanos, é uma condição anterior à necessidade de felicidade individual. O medo da solidão, de não ter essa necessidade de pertencimento atendida, é a base de nosso medo de falar em público assim como é parte do medo de morrer (por deixarmos o convívio com o outro por um isolamento no nada ou no desconhecido).
Quando atendida, a necessidade de pertencimento estimula nossos impulsos de fraternidade, acolhimento e cuidado. Mas esses aspectos positivos são sempre direcionados ao grupo que nos acolheu, ou ao grupo com o qual nos identificamos (times de futebol, ideologias políticas, religiões e identidades nacionais são apenas grupos com os quais nos afiliamos ou nos confrontamos). Ainda estamos longe de construir uma identidade humana que esteja acima dessas subdivisões e das falsas fronteiras que elas criam umas com as outras (temos que superar a divisão em Estados Nacionais, e isso depende de múltiplos fatores).
Mas a corrida espacial, a globalização e o aquecimento global podem ser a janela para a construção dessa identidade global. Estamos todos no mesmo barco, temos a mesma origem genética, dependemos tanto do planeta quanto uns dos outros. A educação é o caminho para forjarmos essa identidade cultural planetária, já que por mais óbvia que seja, ela não é intuitiva. Essa identidade não vai ser naturalmente absorvida por todos nós. Precisamos fazer essa escolha ativa. Temos todos os elementos para isso.
Imagem – O mapa do mundo com os nomes literais dos países foi encomendado pela firma Credit Card Compare, feito pela NeoMam Studios