Escolas públicas inovadoras existem, são possíveis. Cito alguns exemplos: A 2ª Conferência de Alternativas para uma Nova Educação (CONANE), ocorrida entre os dias 5 a 7 de Setembro de 2015, teve como anfitrião o CEU Heliópolis Profª Arlete Persoli. Faz parte desse CEU a escola pública municipal Campo Salles, uma escola democrática, de “salas de aula sem a parte da frente”[1], com predominância de grupos de trabalho de alunos, diminuição das aulas expositivas e a organização de assembleias de estudantes como parte efetiva da gestão escolar. Essa escola transformou-se através da união entre um diretor empreendedor e um consolidado movimento comunitário do bairro de Heliópolis, reivindicando direitos de moradia, segurança e educação.
A Campos Salles inspirou-se no exemplo da escola pública municipal Amorim Lima, localizada na zona oeste de São Paulo que, vivendo os típicos problemas de violência, estresse e desinteresse de alunos, professores e comunidade, desenvolveu uma mudança na organização dos currículos e nos métodos de trabalho, com o apoio de uma fundação empresarial e inspirada, por sua vez, na Escola da Ponte, uma instituição da rede pública comum de Portugal que tornou-se referência pelo aumento da efetividade do aprendizado dos seus alunos e pela gestão democrática da escola.
Como disse na CONANE a militante pela educação democrática e representante do MEC Helena Singer, há uma grande tarefa a ser feita de melhorar a qualidade da escola pública, onde 83,5% dos alunos de educação básica do país estudam, e que ainda é uma escola onde se aprende muito pouco (não vou comentar o fato de também se aprender muito pouco, em geral, nas escolas particulares).
Mas por que melhorar a educação pública nos parece tão difícil? Outros convidados da CONANE destacaram o quanto as condições de trabalho dos professores dificultavam a melhoria das práticas escolares. O maior problema que temos, sem sombra de dúvida, é a jornada em duas, três e até quatro escolas que os professores têm, o que faz com que os mesmos estejam compromissados com as “aulas”, e não com a comunidade escolar. Relembrou Sônia Kruppa, professora da Faculdade de Educação da USP, que uma diretora de escola, nem com o máximo de esforço, consegue reunir-se com todos os docentes – em seus horários acrobáticos – para elaborar projetos comuns, e que esses profissionais têm, por experiência, até lista de calmantes para indicar a quem começa a ficar estressado.
Gustavo Galbes, do sindicato dos professores do estado de São Paulo, destacou que a greve dos professores desse ano reivindicava aumento de 75% – o patamar necessário para equiparar o salário dos docentes paulistas ao de outros profissionais com ensino superior, que é justamente a meta 17 do Plano Nacional de Educação. A greve do estado de São Paulo foi acompanhada por greves de professores em 10 estados da Federação, inclusive pelo trágico episódio da violência usada contra os professores do Paraná, representados por Rodrigo Tomazini, uma das lideranças dessa greve. Galbes finalizou esse assunto com a pergunta: por que a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) não unificou essas manifestações?
O membro do sindicato dos professores paulistas destacou ainda a influência da divisão internacional do trabalho sobre a educação brasileira: Se nosso país se caracteriza principalmente como exportador de commodities e plataforma da indústria automobilística multinacional para exportação na América Latina, qual a pressão para a formação de mão de obra de alto nível – através da educação?
Além disso, sabemos que a indústria é o setor econômico mais produtivo, que gera mais empregos e que oferece melhor remuneração, além de outros efeitos em cadeia na economia. Se o Brasil vive um processo de desindustrialização, então, tomado por pressões na direção do rentismo e da especulação financeira, os movimentos sociais falam sozinhos pelo investimento em educação, enquanto os setores empresariais falam bem mais alto, e em outra direção, com os governos.
Além da questão macroeconômica, é verdade que, nesse vasto país que é o Brasil, a maioria dos professores, e da população, em geral, não conhece outros modelos escolares que não sejam aqueles em que todos nós estudamos, e uma das ações do MEC nesse sentido é justamente divulgar as experiências que existem. Por outro lado, em certos contextos, mesmo os sindicatos podem atuar na direção de impedir a consolidação de políticas públicas de estabilização dos professores em uma única escola.
Podemos citar aqui ainda o problema da qualidade da educação realizada nas faculdades particulares, que têm pouco estímulo para tornarem-se instituições de excelência na formação de professores, mas cada vez mais percebo o acerto da fala de uma professora da Faculdade de Educação da USP: “Se eu fosse secretária de educação do município e pudesse fazer só uma coisa, corrigiria os salários de modo a tornar dever de cada professor estabilizar-se em apenas uma escola”. Como bem destacou na CONANE o professor da Escola da Ponte José Pacheco, para transformar as práticas das escolas públicas, precisamos do encontro das atuações de duas instituições: de dentro da escola, pactuando novas práticas com professores, pais e alunos, e dos governos para as escolas, oferecendo melhores condições de trabalho.
[1] Termo usado pelo diretor do documentário La Educación Prohibida Germán Doin em: DOIN, Germán. Pedagogias Alternativas: problemáticas comuns e desafios. In: INCONTRI, Dora (Org.).Educação, Espiritualidade e Transformação Social.2014.
Litza Amorim, graduada em Gestões de Políticas Públicas pela USP, aluna da pós de Pedagogia Espírita, na Universidade Livre Pampédia, colaboradora da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (ABPE).