Paulo Freire mais uma vez!

Em um texto e uma resenha que pretendia destruir o pedagogo Paulo Freire e seu livro “A Pedagogia do Oprimido”, Rodrigo Constantino, o polêmico colunista da revista Veja, e Marcelo Centenaro, autor da resenha, reduzem o mundo em que vivemos a uma oposição entre doutrinação marxista e meritocracia de mercado. Nesse texto, Paulo Freire é acusado de ser o responsável pela falência do ensino no Brasil, o seu pensamento expresso na “A Pedagogia do Oprimido” de fazer lavagem cerebral ideológica em professores e por consequência em gerações de alunos.

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Paulo Freire escreveu “A Pedagogia do Oprimido” em 1968, no exílio, no ápice da Guerra Fria, a partir da experiência de trabalhar a alfabetização de uma população à margem, num país extremamente desigual. Naquele contexto histórico (global e nacional) e a partir da experiência de vida dele, o livro traz uma ideia muito forte – a educação “bancária”, como ele adjetiva, querendo dizer conteudista, é o palco da manutenção da desigualdade, através da relação entre opressores e oprimidos. A maior parte do livro trata dessa situação em um nível macro (a massa). Em nenhum momento, ele trata da relação opressor e oprimido que existe dentro de cada um de nós (o aspecto psicológico desse insight), e isso mostra que Paulo Freire não explorou todas as decorrências da ideia que teve (há portanto no livro dele uma simplificação). Sim, o livro é difícil de ler, como bem observou Marcelo Cetenaro. O autor cria palavras e algumas vezes é bem difícil compreender um parágrafo ou outro, mas nada disso desqualifica a força da ideia central da obra.

O texto de Marcelo Centenaro e Rodrigo Constantino não considera o contexto histórico no qual o livro foi escrito, não considera que Paulo Freire escreveu outros livros posteriores, onde trabalhou melhor a ideia, aprofundou conceitos e encontrou questões mais essenciais, mais humanas (como em “Pedagogia da Autonomia” por exemplo). Essa simplificação e os argumentos maniqueístas que tentam tirar a força da ideia de Freire podem ser em parte culpa da simplificação do autor da “Pedagogia do Oprimido”, mas eu fico do lado do educador por dois motivos bem claros:

1 – O mundo no qual Paulo Freire escreveu o livro citado era maniqueísta. A tensão entre comunismo e capitalismo justificava as mais questionáveis decisões, como por exemplo a escalada exponencial de arsenais atômicos e a instauração de ditaduras, em nome da liberdade. Mesmo assim, nesse contexto tão agudo, ele foi capaz de, a partir de uma ótica maniqueísta, pensar a educação como uma relação entre iguais – o que potencialmente nos levaria para um mundo plural, de relações fraternas (aqui está o peso do cristianismo no pensamento de Freire – relação como comunhão).

2 – O mundo no qual vivemos hoje (eu, você, o Marcelo Centenaro e Rodrigo Constantino), das redes sociais, da velocidade da informação sem fronteira, do fim da privacidade, etc, não é (por tudo isso) um mundo maniqueísta. É sim um lugar complexo, que nos permite olhares cheio de camadas. Ao olharmos daqui para o livro de Freire, temos que fazê-lo, considerando muitos níveis de análise. Podemos e devemos ser críticos, mas descartar um insight poderoso como o de Paulo Freire, porque naquele momento ele era simpático a figuras como Mao Tse Tung e Fidel Castro, é olhar o livro de forma simplista – maniqueísta. Ideias não são times de futebol. Elas se somam, não se anulam.

Doutrinação marxista X meritocracia de mercado, nós contra eles – não vi nada na crítica de Marcelo Centenaro e Rodrigo Constantino que se aproximasse da forte ideia da educação como uma relação (comunhão) entre iguais. Isso sim muda o mundo.

Mauricio Zanolini

3 respostas para ‘Paulo Freire mais uma vez!

  1. Penso que se Paulo Freire fosse vivo hoje, ele ainda seria simpático a figura de Fidel Castro, um estadista importante, que por sinal, com toda as suas características governamentais, todo o embargo sofrido, os seus feitos para a população cubana é ainda insuperável em realização até hoje, se comparado a estadistas de muitos países da America Latina. agora qnto a Mao Tse Tung, a não ser que foi um lider e estadista comunista chinês no séc. XX desconheço o resto. Pelo visto a preocupação de R Constantino e do autor da resenha é simplesmente ideológica, mesmo que alguns vejam o nosso mundo como algo complexo ideologicamente, outros ainda o veem de forma maniqueísta.

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  2. Simplesmente adorei a proposta de diálogo ou debate com outros artigos. Precisamos mesmo disso. Li o artigo do Constantino e do Centenaro e entendi todas as frases de Paulo Freire que eles desafiavam o leitor a entender. Agora, o texto publicado aqui no blog foi também muitíssimo esclarecedor.
    Sugiro fazerem mais debates desse tipo, e já tenho uma indicação: O colunista mais famoso da folha, Contardo Caligaris, afirma que as crianças são naturalmente más.
    Vejam:
    http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/1264147-jovens-delinquentes.shtml

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