O show tem que continuar! Mas podemos mudar o tom

Eu poderia te aconselhar, mostrando e cantando isso com você?” Diz Jessie J., cantora e compositora britânica, atuando como jurada e mentora de um famoso programa de calouros australiano.

11817178_486372114856413_8912286482955299063_n

A plateia se anima e alguém grita: “Show grátis!”. E realmente é o que se segue. Um verdadeiro show de uma cantora talentosa, mas sobretudo de alguém que entende que educar é muito mais do que transmitir uma fórmula secreta, esperando que o outro a absorva. Naquele palco – que bem poderia ser a sala em que você dá aula aos seus alunos ou a sala de jantar onde você se reúne com seus filhos – havia uma pessoa com a genuína intenção de entrar em contato com o outro e compartilhar os seus saberes, mas não sem antes usar de empatia, afetividade e dar espaço para o outro fazer o que sabe, entendendo que ali há um ser humano com muitos potenciais e não uma tábula rasa.

Para começar a fazer o que se propôs, Jessie J. pede um microfone. A participante do programa, Damielou Shavelle, que já começa a dividir o palco com Jessie, entre nervosa e emocionada, logo oferece o seu. Jessie nega: “Não, não, você vai continuar com o seu”.

Ela entende que ensinar não é calar a voz do outro para que a sua se sobressaia. Entende que se fizesse isso estaria apenas dando mais um show e não contribuindo com o aprendizado de alguém. Entende que o processo educacional é rico e belo e se constrói junto com o outro.

Quantas vezes você, educador, já foi o único com o microfone na mão mesmo diante de uma numerosa plateia? Quantas vezes você, educando, já cedeu o seu microfone, optando por não participar e não interagir? Não será esse um gesto automático de pessoas que, como quase todos nós, por anos a fio foram submetidas a um processo educacional que nos coloca, enquanto alunos, na posição de meros ouvintes, pouco atuantes e participativos da construção de um conhecimento que muitas vezes nos é imposto? Jessie J. com um simples gesto disse não a essa postura. Mostrou que há outra escolha e outra forma de posicionar-se no mundo.

Você está bem? Não se apavore. Eu vou apenas cantar, exatamente como você”, Jessie diz logo após dar um abraço na participante. Não sei se ela estava bem, mas apavorada, com certeza estava. Era uma jovem, num programa competitivo, ainda descobrindo e expressando todo o seu potencial, acertando e errando nesse meio tempo e que seria aconselhada por uma cantora reconhecida que ela, visivelmente, muito admirava.

11227504_890652591007207_1016436366482780235_nTendemos a nos afetar tanto pelo que acontece ao nosso redor, tanto pelo que acontece dentro de nós e, naturalmente, respondemos a isso. Se estou dando uma palestra e alguém boceja, é provável que eu pense que estou sendo chata ou entediante. Se faço uma prova num dia em que estou nervosa, posso não me sair tão bem, mesmo tendo estudado. Levar em consideração o conceito de afetividade na Educação não quer dizer que preciso abraçar ou chamar todos os meus alunos de “meu bem” para ser um professor melhor. O papel da afetividade na Educação, a que me refiro é o que Henri Wallon nos traz, indicando que é necessário entender que afetamos o outro positiva ou negativamente de acordo com a forma como interagimos com ele e que o outro vai reagir ao estímulo que ofereço.

Jessie afetou Damielou positivamente. Ela reagiu ao seu estímulo e não saiu correndo do palco, apavorada. Ela se acalmou o tanto quanto pode para dar o seu melhor. E somente depois disso, Jessie começou a aconselhar a candidata, indo direto ao ponto. Ela se desculpa por ter errado. “Não, não se desculpe”. Errar faz parte. Por que esquecemos disso tantas vezes e simplesmente estagnamos ao invés de tentarmos novamente?

E para alguns o show começa. Para mim, educadora, já havia começado muitos antes.

_Eu vou cantar junto com você. Você começa. Você é boa.

_Mas eu faço da maneira que eu fiz antes?

_Apenas relaxe. Tanto faz.

E então, educador (professor, pai, mãe, amigo, humano):

  • Quando você ensina algo, como faz? Você permite que o outro comece, mostrando o que sabe fazer, e somente desse ponto em diante intervém?
  • Permite que o outro faça tudo da forma como fez antes – ou seja, da forma como sabe fazer – ou quer que ele faça como você sempre fez ou como acha melhor?
  • Você sabe a diferença entre fazer junto com alguém e fazer por alguém (no lugar de)?

Permitir que o outro comece, apenas relaxe e faça o que sabe fazer significa respeitar a sua individualidade, a sua expressão, o seu potencial, o caminho que o outro escolheu percorrer. Não existe processo educacional onde os dois não aprendem juntos, onde ambos não saiam da experiência enriquecidos e mais fortalecidos. Não existe Educação quando o espetáculo é de um só.

E no meio do show (ou da aula?), Damielou, erra o tom.

_Respire. Respire. Espera. Você não está respirando. Tem que respirar. Assim…

E Jessie J. mostra.

_Tome o seu tempo. Eu acredito em você, vamos lá!

_Cante para mim. Eu sei que está em você.

E ela cantou. E acertou. E também errou. Como todos nós, educadores e educandos. Cantemos. Está em nós.

Viviane Ribeiro

2 respostas para ‘O show tem que continuar! Mas podemos mudar o tom

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Gravatar
Logotipo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Google

Você está comentando utilizando sua conta Google. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s