Apenas punir e encarcerar, se podemos ressocializar?

Muito temos discutido, nas últimas semanas, sobre a questão da redução da maioridade penal no Brasil. Embora as evidências robustas, apontando para o fato de que se trata de uma medida equivocada, porque injusta e ineficaz (sob o ponto de vista da violência social), a verdade é que muitos têm trabalhado para que se efetive a tal redução, infelizmente.

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Enquanto lutamos por esclarecer as pessoas a respeito deste tema e, já que nosso olhar tem se voltado um pouco mais para o sistema prisional brasileiro, sinto-me impulsionada a contar certa experiência que tive, quase no final da minha graduação em Psicologia, quando conheci um presídio, na cidade de Mogi Mirim, com capacidade para 214 detentos. Tratava-se de um Centro de Ressocialização, projeto e obra do então governador do Estado de São Paulo, o Sr. Mário Covas. Lá, cada homem tinha a sua cama; cada cela, o seu cuidado; cada espaço, o uso ideal.

Todos trabalhavam e estudavam, recebendo cuidados médicos, psicológicos e odontológicos e, embora reunidos ali pelos mais variados tipos de crimes, as regras eram claras para todos: só ficaria no presídio aqueles que não fizessem parte de facções criminosas, os de baixa periculosidade, os que trabalhassem diariamente, com uma folga na semana, os que estudassem e ainda realizassem obras sociais. Hortas gigantescas, oficinas de sapateiros, espaços de artesanato e cantina com variados produtos eram mantidos pelos detentos, visando ao sustento próprio, assim como pequena renda que deveria ser enviada aos familiares.

Faziam a manutenção geral do complexo, pintando paredes, lavando piso, consertando estragos. Cozinhavam, lavavam, passavam e serviam.

Enfim, o que não se via naquele espaço eram pessoas desocupadas, envolvidas em brigas ou fomentando outras encrencas.

Sempre que eu chegava para uma nova visita, eram os próprios presos que abriam os portões e me ajudavam a retirar do carro os livros que eu levava para doar à biblioteca do presídio.

O diretor, sempre calmo e cordial, falava daqueles homens com respeito, muitas vezes lamentando a situação de alguns, por saber que já estavam arrependidos de seus atos, prontos para a liberdade total, mas que teriam ainda de cumprir suas penas de reclusão.

Quando questionados, os presos diziam: “Dona, bem melhor aqui que num presídio normal, pois lá é o verdadeiro inferno, ninguém sai melhorado, sai é bandido de verdade…”

E, como não poderia deixar de ser (afinal, quando tratamos um ser humano como um ser humano, o resultado só pode ser esse), a reincidência daquele presídio não chegava a dois dígitos (8%) enquanto que no tradicional complexo de Hortolândia, também no interior do Estado, na época tínhamos a vergonhosa marca dos 83%.

Então, podemos nos perguntar: Por que não construímos mais presídios como esse, cada qual de acordo com o perfil dos presos ali reunidos (de baixa, média ou alta periculosidade), com um trabalho multidisciplinar de apoio e desenvolvimento daquelas pessoas?

Parece-me que temos dado preferência aos depósitos (semi) humanos, infernos do crime, indústria de bandidos. Preferimos encarcerar e punir os “desviados” da sociedade, queremos vingança, sem dar-lhes nenhuma chance de recolocação social. Fingimos que a culpa da violência é somente deles e seguimos os dias, tentando ganhar dinheiro suficiente para pagarmos a blindagem dos nossos carros ou os muros dos nossos condomínios.

A verdade é que a quase totalidade dos presos são os excluídos, os de baixa escolaridade, os pardos, os negros, os filhos da periferia. Não encarceramos os do nosso meio, mas os daquela laia.

E, sob a desculpa de que um Centro de Ressocializaçao custa caro aos cofres públicos, governantes têm preferido empilhar estas pessoas em pequenas celas, deixando-as à mercê da lei do cão, precisando vender a alma em troca da própria vida.

Em tempos de discussão sobre redução da maioridade penal, cabe-nos perguntar também para onde irão estes adolescentes, quando retirados da sociedade.

A Psicanalista Maria Rita Kehl, em um resumido artigo escrito para a Folha, comentou: “As crianças arregimentadas pelo crime são evidências de nosso fracasso em cuidar, educar, alimentar e oferecer futuro a um grande número de brasileiros. Esconder nossa vergonha atrás das grades não vai resolver o problema.

Aos que acham que a violência irá diminuir, basta breve leitura de algumas das linhas dos indicadores disponíveis em sites confiáveis para dissolver esta ideia reducionista, absurda.

Se hoje os adolescentes estão “protegidos” pelo ECA, tendo de cumprir pena, mas com medidas de ressocialização, amanhã, a situação poderá se agravar, caso a lei seja efetivamente alterada.

E, com tais complexos superlotados, qual será, então, a nova proposta de solução, senão tornar tudo isso um grande negócio privado, capaz de gerar bom lucro para o bolso de alguns?

Quem sabe assim, a execrável frase dos conservadores de plantão deixe de ser pronunciada. Afinal, bandido bom não será mais o bandido morto, mas sim, bandido preso. Atualmente nos Estados Unidos, o incentivo de promoção de carreira dos policiais é o número de prisões realizadas. E lá está a maior população carcerária do mundo. Estão prendendo até crianças vendendo limonada no quintal. (Ver vídeos abaixo)

Porque, no admirável mundo capitalista, não apenas time is money: O crime também pode e deve virar dinheiro (para as corporações).

Claudia Gelernter

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