Contribuições da Universidade Livre para um diálogo com a infância

         “Eu acredito na transformação do mundo realizada, sobretudo, por aqueles e por aquelas que se encontram desprovidos ou roubados no seu direito de ser” Paulo Freire

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Ainda relembrando o encontro do círculo de doutorandos informais, fomos convidados a revisitar nossas biografias com foco em nossas histórias de aprendizagem. Na partilha dessas memórias e reflexões, uma me chamou, especialmente, a atenção…”me dei conta de que o momento de nossas vidas em que realmente temos o maior potencial para a autonomia é na infância e então, nossa educação vai aos poucos nos tirando essa autonomia. Quando chegamos à idade adulta, quando saímos da escola, dizem-nos que estamos prontos para enfrentarmos o mundo e fazermos nossas escolhas, pois conquistamos autonomia. No entanto, é nesse momento que nos damos conta que toda nossa autonomia nos foi retirada.”

Quando falamos em autonomia, vários significados e sentidos emergem em nossas mentes. Filósofos, educadores, psicólogos se debruçaram e refletiram sobre esse conceito em algum momento ou época da humanidade, verdadeiros tratados foram escritos a respeito e merecem ser lidos, refletidos, pesquisados, contribuindo para o fortalecimento da nossa ação. No entanto, o meu convite é para que mergulhemos na experiência da infância, para um encontro entre o passado e o presente, entre a criança que fomos e a que hoje vive sua infância pulsante ao nosso redor, para que assim, quem sabe, possamos iniciar um diálogo a partir de um outro “lugar”.

Janusz_Korczak_-_Nasz_Dom_-_1920-28

Revisitar o passado possibilita, entre tantas coisas, reelaborar o presente, ressignificar nossa trajetória e olhar com maior atenção e cuidado como nos relacionamos com quem começa agora a jornada da vida. Tomo emprestado do educador polonês Janusz Korczak algumas linhas do seu belíssimo livro Quando eu voltar a ser criança, para colaborar nesse mergulho.

“Estou deitado na cama, mas não estou dormindo. Então me lembro de que quando era pequeno pensava muitas vezes sobre o que faria quando ficasse grande. Fazia muitos planos.” (Korczak, Quando eu voltar a ser criança).

Você lembra quais eram seus sonhos na infância?

Quantos conseguiu realizar?

Quantos foram ouvidos?

Quantos foram silenciados?

Quantos continuam perdidos em seus pensamentos?

Você conhece os sonhos das crianças que estão ao seu redor?

Dá importância a eles?

Como tem mostrado a elas que se importa?

Quantas vezes parou para ouvi-los?

Considera que o sonho é o primeiro passo de um projeto que queremos ver florescer?

           “A criança ‘acomodada’ é o sonho da educação contemporânea: passo a passo, com método, ela procura adormecer, sufocar, destruir tudo o que seja a vontade da criança, sua liberdade, a força moral de suas exigências e de suas aspirações.

Bom, obediente, gentil, fácil…Por acaso pensamos alguma vez neste homem fraco, covarde, sem energia que a criança corre o risco de se tornar?” (Korczak, Como amar uma criança).

Como é possível dialogar com as crianças se silenciamos suas vozes? Se olhamos para suas manifestações autênticas com desconfiança? Se esperamos obediência?

Se um dos principais elementos do diálogo é a escuta, quanto estamos dispostos a ouvir o que elas têm a nos dizer através das suas múltiplas formas de comunicar?

O individualismo crescente está secando nossas reservas vitais. Estamos sofrendo por uma escassez fabricada, num mundo de abundância. Nos ressecamos e vampirizamos o planeta. A Terra e nossa essência humana, manifestada por diversas bandeiras, reivindicam outras formas de relação com a vida, mais colaborativa, onde haja espaço para todos. As crianças de ontem e hoje reivindicam também seu espaço. No entanto, não nos apropriamos das suas formas de se comunicar. Na verdade, nos esquecemos, abandonamo-las pois nos fizeram acreditar que eram impróprias… Nos desconectamos delas quando paralisaram nossos corpos, quando ignoraram nosso choro, quando desconsideraram nossos “rascunhos”, quando ignoraram nossos sonhos, quando privilegiaram a mente, desconectando-a do nosso corpo e do nosso coração.

Que possamos libertar nossa infância das grades do autoritarismo que nos aprisiona.

Que seja esse um espaço de inspirações, proposições e sobretudo de questionamentos, um espaço de reconciliação com a infância de alfabetização para a linguagem da criança. Que possamos aprender com elas, novos caminhos, novas trilhas… Que o pluralismo das “vozes” possa enriquecer o debate para um mundo mais liberto e mais livre para todos!

Kátia Del Giorno

4 respostas para ‘Contribuições da Universidade Livre para um diálogo com a infância

  1. Não penso que crianças tenham sonhos, penso que são os adultos que enfiam isso na cabeça delas, criança quer brincar, são felizes apenas por existir, não precisam nem querem produzir nada. Os adultos que exercem pressão para que elas fiquem pensando no futuro remoto ou próximo, porque é assim que o sistema funciona, sempre sendo alimentado de mão de obra.

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